Fonte: Procuradoria da Republica em Minas Gerais. Data : 27/02/2012.
URL: www.prmg.mpf.gov.br/imprensa/noticias/direitos-do-cidadao/mpf-vai-a-justica-para-mudar-verbete-do-dicionario-houaiss
Publicação teria referências preconceituosas contra minoria étnica e editora se recusou a suprimi-las
O Ministério Público Federal (MPF) em Uberlândia ajuizou ação civil pública contra a Editora Objetiva e o Instituto Antônio Houaiss, para a imediata retirada de circulação, suspensão de tiragem, venda e distribuição das edições do Dicionário Houaiss que contêm expressões pejorativas e preconceituosas relativas aos ciganos.
Os réus também deverão recolher todos os exemplares disponíveis em estoque que estejam na mesma situação.
O objetivo é obrigá-los judicialmente a suprimir do dicionário quaisquer referências preconceituosas contra uma minoria étnica, que, no Brasil, possui atualmente mais de 600 mil pessoas.
Para o MPF, os significados atribuídos pelo Dicionário Houaiss à palavra “cigano” estão carregados de preconceito, o que, inclusive, pode vir a caracterizar crime. “A publicação faz semear aos que consultam esse significado a prática da intolerância, especificamente da intolerância étnica, em verdadeira afronta aos artigos 3º e 5º da nossa Constituição”, afirma o procurador da República Cléber Eustáquio Neves.
“Ao se ler em um dicionário, por sinal extremamente bem conceituado, que a nomenclatura cigano significa aquele que trapaceia, velhaco, entre outras coisas do gênero, ainda que se deixe expresso que é uma linguagem pejorativa, ou, ainda, que se trata de acepções carregadas de preconceito ou xenofobia, fica claro o caráter discriminatório assumido pela publicação”, diz o procurador.
Recusa
A ação originou-se de investigação iniciada em 2009, quando o Ministério Público Federal em Uberlândia recebeu representação de um cidadão de origem cigana questionando a prática de discriminação e preconceito pelos dicionários de língua portuguesa contra sua etnia.
Para esclarecer os fatos, o procurador enviou ofícios a diversas editoras com pedidos de informações.
Recebidas as respostas, ele expediu Recomendação às editoras para que fosse suprimida das próximas edições qualquer expressão pejorativa ou preconceituosa nos significados atribuídos à palavra cigano.
As Editoras Globo e Melhoramentos atenderam a Recomendação. A Editora Objetiva recusou-se a cumpri-la, sob o argumento de que seu dicionário é editado pelo Instituto Houaiss, sendo apenas detentora exclusiva dos direitos de edição.
“Por isso, não tivemos outra saída a não ser ingressar em juízo para garantir o respeito às leis e à própria Constituição, que proíbem não só a prática, mas o próprio ato de induzir à discriminação ou ao preconceito étnico”, explica Cléber Neves.
Racismo
O procurador da República afirma que “o direito à liberdade de expressão não pode albergar posturas preconceituosas e discriminatórias, sobretudo quando caracterizada como infração penal”. Segundo ele, a significação atribuída pelo Houaiss violaria o artigo 20 da Lei 7.716/89, que tipifica o crime de racismo.
O procurador lembra que o próprio STF já se pronunciou sobre o assunto, ao julgar o Caso Ellwanger. Naquela oportunidade, o Supremo Tribunal Federal entendeu que a propagação de ideias discriminatórias contra um povo, em um livro, constitui crime de racismo, não sendo apenas mera expressão de liberdade intelectual.
“O preconceito tende a desconsiderar a individualidade, atribuindo, a priori, características, em geral grosseiras, aos membros de determinado grupo. Portanto, o que o Dicionário Houaiss faz é um juízo antecipado, de índole extremamente negativa, acerca da nação cigana, igualando todos os seus membros”, lembra Cléber Neves.
Para ele, o fato de as afirmações serem feitas por uma publicação, que, por sua própria natureza, encerra um sentido de verdade, agrava ainda mais a situação. “Ora, trata-se de um dicionário. As pessoas consultam-no para saber o significado de uma palavra. Ninguém duvida da veracidade do que ali encontra. Sequer questiona. Pelo contrário. Aquele sentido, extremamente pejorativo, será internalizado, levando à formação de uma postura interna pré-concebida em relação a uma etnia que deveria, por força de lei, ser respeitada”.
Segundo Cléber Neves, “ao invés de disseminar preconceitos, os dicionários, como instrumentos reveladores do conhecimento, deveriam fornecer informações que pudessem justamente acabar com esses preconceitos”.
O MPF revela que, desde 2009, empreendeu vários esforços, com a expedição de inúmeros ofícios e recomendações à Editora Objetiva, para que a publicação excluísse as expressões pejorativas e preconceituosas, mas os réus ignoraram todos os pedidos. “Ao contrário da Editora Globo e da Melhoramentos, que prontamente acataram a recomendação e mudaram os seus textos”, afirma o procurador.
De acordo com o Ministério Público, a atitude da editora e do instituto teria causado, inclusive, dano moral coletivo, na medida em que agrediu de maneira absolutamente injustificável o patrimônio moral da nação cigana.
Por isso é que, na ação, além da retirada do Dicionário Houaiss de toda e qualquer expressão de cunho preconceituoso ou pejorativo contra os ciganos, o MPF também pediu a condenação dos réus ao pagamento de indenização por dano moral coletivo no valor de 200 mil reais.
Por isso é que, na ação, além da retirada do Dicionário Houaiss de toda e qualquer expressão de cunho preconceituoso ou pejorativo contra os ciganos, o MPF também pediu a condenação dos réus ao pagamento de indenização por dano moral coletivo no valor de 200 mil reais.
Nenhum comentário:
Postar um comentário