Fonte: Revista Veja. Data:
26/03/2014.
Autoria: Marcela Mattos.
URL: veja.abril.com.br/noticia/vida-digital/camara-aprova-marco-civil-assegurando-neutralidade-de-rede
Após cinco anos
de discussão pela sociedade e quase três pelo Congresso, o projeto de lei
2.126/11, batizado Marco Civil da Internet, foi aprovado em votação simbólica
nesta terça-feira pela Câmara dos Deputados (confira
no quadro abaixo os principais pontos). O texto — que
estabelece direitos e deveres de cidadãos, provedores de acesso e de aplicações
e também governo no ambiente virtual — segue agora para o Senado e, se
aprovado, será finalmente encaminhado para a sanção da presidente Dilma
Rousseff.
O usuário
brasileiro de internet ganha com o texto aprovado pelos deputados. Foi
assegurada a neutralidade de rede, um dos grande nós da disputa em torno do
Marco Civil (e a regulamentação desse dispositivo dependerá de consulta prévia
ao Comitê Gestor da Internet e à Anatel, e não de simples decreto do
Executivo). Além disso, terminou derrotada a proposta governista que queria
obrigar empresas estrangeiras que atuam no Brasil (caso de Facebook, Google e
Netflix, entre muitas outras) a instalar data centers para guardar dados de
usuários brasileiros. O Marco Civil proíbe ainda que provedores de conexão à
rede (empresas como Oi, Vivo, GVT e NET) armazenem registros de navegação de
usuário. Por fim, entre as grandes disposições, o projeto de lei ordena
provedores de serviços web a excluir definitivamente dados do usuário quando
este encerra sua conta. Dessa forma, ficam protegidos fundamentos essenciais ao
florescimento contínuo da internet brasileira — como concorrência, inovação,
competitividade —, ao mesmo tempo em que o usuário ganha maior proteção no
ambiente virtual.
A neutralidade
de rede obriga os provedores de conexão a tratar de maneira igual toda
informação que trafega na rede, sendo proibidas distinções em razão do tipo,
origem ou destino dos pacotes de dados. O princípio impede, por exemplo, que os
donos da infraestrutura da rede privilegiem alguns serviços (seus ou de
terceiros ou os que podem pagar mais) em detrimento de outros, minando a
concorrência e a inovação com uma espécie de pedágio discriminatório. É a
neutralidade, portanto, que pode assegurar que novos produtos briguem com
gigantes digitais estabelecidos sem serem prejudicados na linha de largada. Com
a neutralidade, o melhor tem a maior chance de vencer.
A retirada dos
artigos que tratavam dos data centers representou uma grande derrota para o
governo — mas uma vitória de igual dimensão para o Brasil. A ideia de obrigar
empresas estrangeiras de internet que atuam no país a manter dados de usuários
brasileiros em grandes servidores locais fora incorporada ao Marco Civil no fim
de 2013. Foi, segundo o relator do projeto, o deputado Alessandro Molon
(PT-RJ), uma exigência da presidente Dilma, que queria dar uma "resposta
diplomática" à suspeita de espionagem de agências americanas a dados de
empresas e cidadãos brasileiros. A proposta — que não encontra paralelo em
nenhuma parte do mundo — foi duramente
criticada por especialistas. Além de desconsiderar a
infraestrutura planetária da web, não teria o resultado pretendido pelo
Planalto: evitar a interceptação de dados privados pelos espiões. Um efeito
colateral, contudo, era certo: o encarecimento de serviços locais.
A nova
disposição sobre a guarda de dados de navegação do usuário é outro acerto do
Marco Civil. O texto proíbe que provedores de conexão à internet armazenem
registros que permitam saber quais sites foram acessados pelos usuários e
quando. Hoje, os usuários podem escolher se circulam ou não pela web logados a
sites como Google e Facebook, fornecendo informações de navegação a eles. Eles
não têm a mesma escolha em relação aos provedores de conexão, daí a importância
de estabelecer limites para o uso que essas empresas podem fazer dos registros
de navegação dos seus clientes. A medida, portanto, é correta.
O que vai mudar
com o Marco Civil da Internet
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Como é hoje
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Como vai ficar
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Neutralidade de rede
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É estabelecida por uma
resolução da Anatel, que pode ser facilmente revogada.
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Provedores de conexão à
web (Oi, Vivo, Net etc.) deverão dar o mesmo tratamento a todos os pacotes de
dados que trafegam pela rede, não importando conteúdo, origem ou destino.
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Exclusão de dados do
usuário por serviços web
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Não há norma disciplinando
a questão
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Provedores de serviços
(Google, Facebook, Netflix etc.) deverão excluir definitivamente dados do
usuário quando este encerra sua conta.
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Responsabilidade por
conteúdos publicados
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Provedores de aplicações
(Google, Facebook, Instagram etc.) podem ser responsabilizados civilmente por
conteúdos publicados em seus serviços por terceiros.
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Os provedores de aplicação
só serão responsabilizados civilmente pelo conteúdo de terceiros se, após
ordem judicial, se recusarem a retirar do ar o conteúdo em questão.
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Guarda de dados de conexão
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Acordo entre o Comitê
Gestor de Internet (CGI.br) e provedores de conexão à rede prevê a guarda de
dados por três anos
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Os provedores de conexão
deverão manter os registros de acesso do usuário por um ano
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Guarda dos registros de
navegação de usuários
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Tanto os provedores de
conexão (Oi, Vivo, GVT, Net) quanto os de aplicação (Google, Facebook,
Netflix etc.) podem guardar registros de navegação pelo prazo de três anos.
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Os provedores de conexão à
internet serão proibidos de armazenar registros que permitam saber quais
sites foram acessados pelos usuários e quando. Provedores de aplicação
(Google, Facebook, Netflix etc.) podem guardar tais dados desde que não
repassem as informações a terceiros.
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Novela —
A falta de acordo entre Molon e Eduardo Cunha, líder do PMDB na Câmara, atrasou
a votação do Marco Civil por meses. Desde outubro de 2013, o projeto tramitava
em regime de urgência, trancando a pauta de votações e impedindo a apreciação
de outras matérias.
Entre as maiores
disputas travadas em público e nos bastidores está a que se deu em torno da
neutralidade. As empresas provedoras de acesso à rede, contrárias ao conceito,
defendiam o direito à discriminação dos pacotes de dado, o que, segundo elas,
permitiria a criação de novos produtos a preços diferentes: um pacote para quem
"baixa" muitos arquivos, outro para quem apenas acessa e-mails, e
assim por diante. Não conseguiram. Mas os opositores da neutralidade na Câmara
conseguiram impor uma mudança nesse capítulo do projeto de lei.
Comandado por
Eduardo Cunha — líder do PMDB na Casa, porta-voz do chamado "blocão",
grupo parlamentar que ao mesmo tempo apoia e faz oposição ao governo, e
"simpatizante" da causa das teles — o grupo promoveu uma alteração no
artigo que trata da regulamentação da neutralidade. E a mudança foi positiva.
Originalmente, o texto dizia que a regulamentação seria feita por decreto do
presidente da República. Com a nova redação, a regulamentação dependerá de
consulta prévia ao Comitê Gestor da Internet e à Anatel.
Depois de ceder
na questão da neutralidade, o governo capitulou no capítulo dos data centers.
Os dois passos abriram espaço para a votação. Entre as razões que levaram o
governo a ceder, está o fato de que o Brasil receberá, nos próximos dias 23 e
24, o The Global Multistakeholder Meeting on the Future of Internet Governance
(Encontro Multissetorial Global sobre o Futuro da Governança da Internet), que
discutirá princípios de colaboração e regulação da rede em escala global. A avaliação
é que a imagem do país sairia arranhada se o anfitrião do encontro tivesse
fracassado na tarefa de aprovar legislação a respeito.
O Marco Civil
começou a ganhar forma em 2009, com o objetivo de disciplinar o uso da rede,
estabelecendo direitos e obrigações de seus atores. Em 2011, a versão
final foi apresentada ao Legislativo e passou a ser discutida na Câmara.
Representantes de empresas circularam pelos bastidores do poder tentando
influenciar os rumos da discussão.
"Foram três
anos de análise que permitiram que a gente chegasse a um texto melhor que o
inicialmente apresentado. Ele foi aperfeiçoado por meio de audiências públicas
e com contribuições de diversos setores", afirmou Molon, após a aprovação.
"Essa é uma vitória principalmente do internauta, que passa a ter uma
garantia que não tem hoje: a sua privacidade, a sua liberdade de expressão e
também a neutralidade da rede."
O texto aprovado
na Câmara também traz disposições gerais sobre importância da rede e os
direitos dos usuários. É o caso dos artigos que tratam da privacidade e
liberdade de expressão. Apesar de terem despertado a atenção do mundo nos
últimos meses, em especial após a divulgação das suspeitas de espionagem
americana, esses temas já são contemplados na Constituição Federal. Não há
novidade, portanto.
2 comentários:
Eu continuo com muitas dúvidas.São muitas as contradições levantadas por advogados , usuários, e pessoal da informática e da TI. Gostaria de saber a opinião do professor. Afinal, será,realmente, um ganho ou não para a população que usa a internet a aprovação do Marco Civil?
O Marco Civil ainda não é uma norma legal perfeita. Mas foi um avanço possível dentro do contexto brasileiro. Daqui para frente já temos uma norma legal que aborda coisas que anteriormente estavam no limbo. É preciso que essa norma evolua pois a Internet não pára!
Murilo Cunha
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