Autor: Carlos Affonso de Souza.
Fonte: O Globo. Data: 6/2/2012.
O futuro da regulação da internet passa pela discussão do papel dos direitos autorais. As propostas em tramitação no Congresso dos EUA conhecidas pelos acrônimos SOPA e PIPA representam um direcionamento complicado desse debate, já que impõem severas restrições a outros direitos fundamentais, como a liberdade de expressão, a privacidade e o acesso à informação e ao conhecimento.
O movimento que impediu a sua iminente votação, liderado por um blecaute de importantes sites, não é menos complexo e vai além da oposição entre Hollywood e o Vale do Silício. O blecaute foi o plano B. O processo legislativo que gerou SOPA e PIPA tem na sua essência um cabo de guerra entre diversos interesses nem sempre evidentes.
Os projetos só foram levados à votação porque as empresas de tecnologia perderam o primeiro round. Restou então adotar a estratégia de comunicação dos riscos de tais leis ao funcionamento da rede, o que transformou todo internauta em um potencial ativista.
Na raiz do problema não está um maior ou menor respeito aos direitos autorais, mas formas diferentes de compreender a produção intelectual, cada vez mais apoiada em modelos colaborativos que, a partir de obras alheias, geram críticas, sátiras, "mashups" e "memes" disseminadas na internet através das redes sociais e sites de fotos e vídeos. Tais conteúdos e espaços, nos quais muitos (e especialmente as novas gerações) desenvolvem suas referências e se comunicam, dependem de um ambiente jurídico no qual se preserve a possibilidade de criação, transformação e compartilhamento.
Se aplicados os termos vagos de leis como SOPA, esses sites poderiam ser retirados do ar sem questionamentos sobre a existência de fair use ou motivações sustentadas por outros direitos fundamentais. As leis sobre direitos autorais precisam conciliar a proteção do investimento com a percepção de que a própria criação intelectual se transforma.
A pirataria e o discurso criminalizante correlato, por outro lado, prestam um desfavor à compreensão do tema ao tratar como iguais práticas radicalmente distintas, confundindo usos legítimos, como para fins educacionais, com aqueles que transformam a infração à propriedade intelectual em atividade industrial.
O debate nos EUA prosseguirá e resta saber se o blecaute terá servido apenas para elevar o poder de fogo do Vale do Silício no Congresso dos EUA ou se alguma participação da coletividade de agentes, cujos interesses divergem, mas são coincidentes no repúdio aos projetos, será aproveitada em longo prazo.
No Brasil, a discussão sobre o projeto do Marco Civil da internet, atualmente na Câmara dos Deputados, representa uma verdadeira lei "anti-Sopa". Gerado por um processo colaborativo na rede, ele aponta para outra direção no debate sobre direitos autorais. Ao contrário do SOPA, que ao tratar de direitos autorais atinge vários outros direitos, o Marco Civil dispõe sobre princípios e direitos fundamentais, criando assim o ambiente para uma regulação equilibrada do direito autoral na internet.
Nenhum comentário:
Postar um comentário