Fonte: O Globo. Data: 17/10/2012.
No mundo povoado por sete bilhões de pessoas, há
seis bilhões de celulares. A conclusão dos especialistas é que a tecnologia
chega em lugares em que não há nem água potável. Quanto mais rico um país, mais
acesso aos "gadgets". O termo tipicamente "nerd" significa
novas geringonças tecnológicas. No Brasil, já existem mais celulares habilitados
do que gente: 1,4 por pessoa. Com internet à mão, o país está no topo do
ranking de tempo gasto na rede. A fartura de crédito - é possível comprar um
computador em 12 suaves prestações - também contribui para o surgimento de uma
geração viciada em internet: os hiperconectados.
"A minha mãe não entende: eu não sou viciado
em internet", reclama o estudante Lucas Honda, de 15 anos. Morador de
Brasília, o adolescente não se conforma com a proibição imposta pela mãe. Foi
obrigado a ficar um fim de semana inteiro longe do iPhone. Ele já acorda
conectado e ficou em recuperação "só" em duas matérias. Longe do seu
xodó, tem de se contentar "apenas" com o iPad e o computador: onde
também assiste a filmes e se diverte com os games.
Uso com limites -
Offline é um status que só usa quando está na sala de aula. O recreio de Lucas
serve para atualizar os 500 amigos do Facebook sobre as novidades das últimas
horas e checar o que acontece no universo do Twitter. Pelo celular ainda olha
as fotos que os contatos botaram no Instagram e responde as mensagens que
recebeu no Whatsapp: o aplicativo da moda que funciona como o
"messenger" para telefones. Os torpedos não pesam na conta no fim do
mês porque as mensagens são envidas pela internet. E ainda podem ser mandadas
para uma lista específica de contatos.
O ritual da atualização se repete ao soar do sinal
que encerra o dia na escola. Antes do almoço, as novidades são checadas de
novo. À tarde, faz as tarefas enquanto fica "logado" nas redes.
"Eu sei me controlar porque sei a hora de fazer as minhas obrigações. Só a
minha mãe acha que não sei."
A mãe do adolescente tem razão ao impor limites ao
filho, segundo Cristiano Nabuco, professor da Universidade de São Paulo (USP),
um dos maiores especialistas do assunto no Brasil.
No seu consultório, vivencia experiências
dramáticas e não hesita em responder qual foi o pior caso que enfrentou. Conta
que uma mãe desesperada levou um adolescente de 15 anos para se tratar após ter
sido notificada pelo condomínio. Foi multada porque seu filho atirava cuecas
sujas pela janela para não ter de "pausar" o videogame e ir ao
banheiro. Entre os recordes que conseguiu, está jogar 45 horas interruptas.
"Quando fui tratar o garoto, ele virou para mim e disse que, se bobeasse,
ganhava muito mais dinheiro jogando do que eu", contou Nabuco.
Pela internet, o adolescente vendia caro os pontos
que conseguia no videogame. É obeso mórbido, filho de pais separados e a mãe
dava pouca atenção ao filho. Ele abandonou o tratamento.
Nabuco explica que os adolescentes, mais até que as
crianças, são a principal faixa da população vulnerável ao vício da conexão na
rede por não ter cérebro fisiologicamente maduro e perder com facilidade a
noção do tempo. Mas ressalta que o mundo hoje, mergulhado em tecnologia, acentua
essa situação. Um dos exemplos é que muitos filhos ensinam aos pais os meandros
das novas mídias. E esse é um fato que parece natural, mas é a inversão dos
princípios da humanidade, diz Nabuco.
Entrar na internet funciona para quem tem o vício
como álcool ou droga: traz paz momentânea. Alivia a depressão. Dribla fobias
sociais. O professor explica ainda que, por isso, depressivos, tímidos
patológicos e bipolares são mais propícios a se tornarem dependentes da rede.
Na escola de Lucas Honda, uma das turmas de
primeiro ano recebeu tablets para um projeto-piloto: substituir os livros.
Alguns colegas passam madrugadas conectados. Substituíram aquelas antigas e
enormes conversas típicas de adolescentes por telefone por teclar. A conta do
telefone barateou, mas agora alguns pais começam a gastar com psicólogos.
"É muito difícil se desconectar, mas no fim de semana o ideal é não
responder e-mail nem trocar mensagens e dar mais atenção aos filhos",
conclui o professor da USP.
Analice Gigliotti, psiquiatra e chefe do Setor de
Dependências da Santa Casa da Misericórdia do Rio, afirma que este problema
está crescendo em todo o mundo, mas tem um potencial maior no Brasil, onde a
população tende a ser mais conectada que em outras nações. Para ela, a internet
e as novidades tecnológicas, se usadas com cuidado, são até positivas para
crianças, por estimular áreas do cérebro normalmente "esquecidas" na
infância. Mas quando se tornam um problema?
"Para identificar se a pessoa está com
problemas, os sintomas são deixar de fazer algo por causa da internet,
reclamação de parentes e amigos, sentir a necessidade de estar conectado ou
ansioso esperando o momento de estar on-line. Se isso ocorre, é necessário um
tratamento", disse ela, por telefone, de Genebra, na Suíça, onde participa
de um seminário sobre este tema.
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