Autoria: Volnei Canonica.
Fonte: Publish
News.
Volnei
Canônica discorre em sua coluna sobre o papel das bibliotecas e o que tem sido
feito para que elas recebam os cuidados que merecem
Está marcado para amanhã, quarta-feira (25), no
Centro Cultural São Paulo (Ruas Vergueiro,1000, Paraíso – São Paulo / SP), um
"abraçaço" promovido por bibliotecários, funcionários, mediadores de
leitura e amigos das bibliotecas. O ato simbólico, no dia do aniversário de São
Paulo, é para mostrar o descontentamento a uma das primeiras medidas do novo
prefeito João Dória de privatizar as bibliotecas públicas.
Mas por que os governos no Brasil nunca abraçaram as
bibliotecas escolares, públicas e comunitárias?
Quando praticamos o ato de abraçar queremos mostrar
que: gostaríamos de estar bem perto, gostaríamos de proteger, gostaríamos de
trocar afeto.
Mas o que vemos há anos dos governos municipais,
estaduais e federal em relação a estes equipamentos democráticos? Um aceno de adeus
ou no máximo um aperto de mão. Nunca um abraço!
A biblioteca pública é o equipamento cultural que
está presente em quase todos os municípios brasileiros. Em se tratando de
comparação temos o dobro de bibliotecas públicas em relação a museus e salas de
cinema. Se somarmos então as bibliotecas escolares, comunitárias,
universitárias e especializadas, podemos afirmar (nas diferentes funções que
cada biblioteca exerce) que esses equipamentos são fundamentais para que, além
da informação, a cultura da escrita e da imagem seja acessada pelos
brasileiros.
Quero dizer para os que ficam em suas casas lendo ou
os que conhecem os livros apenas nas livrarias, que estão redondamente
enganados e que as nossas bibliotecas estão "as moscas". Essa
afirmação geralmente é feita por quem nunca pisou em uma biblioteca. Então,
parem de achar que a instituição biblioteca está falida.
Não sou ingênuo, ou melhor, sou um bom frequentador
de todos os tipos de bibliotecas em várias regiões do país e sei que em muitos
lugares o potencial deste equipamento está funcionando a menos de 30%. Sabemos
da falta de estrutura, de acervo, de profissionais qualificados, etc. Mas
sabemos que neste mesmo lugar se a biblioteca fosse abraçada pela gestão
pública o potencial de formar leitores seria contemplado em 100%.
Quando o prefeito de São Paulo anunciou que irá
entregar 52 bibliotecas para organizações sociais fazerem a gestão, ele dá um
belíssimo aceno de adeus a todo o trabalho realizado durante anos na maior rede
de bibliotecas municipais da América Latina e atesta que a capacidade da gestão
pública de seu governo é fraca e ineficiente.
Quando alguém se propõe a ocupar um cargo máximo na
gestão pública é porque acredita e quer investir nela. Assumir a gestão pública
e sair privatizando os espaços é quase a mesma coisa que assumir uma empresa
privada cheia de funcionários, não pensar na qualificação e carreira deles, e
contratar várias assessorias para fazer o trabalho.
Sou extremamente a favor da parceria entre o público
e o privado. Podem perfeitamente se abraçarem. Mas nunca um pode ocupar o lugar
do outro. Coordenei durante cinco anos um programa de promoção da leitura, de
um instituto privado, que apoia o fomento de bibliotecas escolares, públicas e
comunitárias. O papel que exercíamos era o de potencializar o que essas
bibliotecas tinham de melhor e evidenciar suas fragilidades para que pudessem
se transformar em fortalezas. Nunca fizemos a gestão destes espaços, mas sim
apoiamos com conhecimento e ferramentas e também nunca decidimos sobre o bem
público. Não cabe ao setor privado decidir políticas públicas. Isso não o
isenta da sua responsabilidade sobre o que é público. Às vezes é muito tênue a
linha que separa o público do privado e por ser tênue é que precisa estar bem
definido o que é de um e o que é de outro.
Se a contratação de organizações privadas for para
ajudar na burocracia e agilizar a realização de ações nas bibliotecas acho que
são bem vindas. Mas se for para tomar conta de tudo, acho que estão em desvio
de função. Conheço bem o sistema de Bibliotecas Parques da Colômbia que
trabalha justamente nessa dobradinha público-privado. O privado tem um papel
importante de produtor e viabilizador das políticas educacionais e de promoção
da leitura que é pensada e gerida pela gestão pública.
Não consigo entender porque os políticos não fazem
esforços para qualificar a gestão pública. Cada vez mais o Estado fica
sucateado. Se o voto não fosse obrigatório será que servidor público votaria em
algum candidato?
Tenho certeza que algumas pessoas irão dizer, mas na
Europa, Estados Unidos, Japão, as bibliotecas são diferentes, são melhores.
Minha primeira resposta seria: O que parece bom pra você talvez não seja bom
para mim ou outros brasileiros. Depois com mais calma (sim fico nervoso quando
o assunto é bibliotecas) eu perguntaria: O que você faz para as bibliotecas
brasileiras serem tão boas como essas que você acha que é? Abraça as
bibliotecas ou abana do outro lado da rua? Você cobra do seu candidato eleito
ou daquele que se elegeu sem o seu voto que abrace as bibliotecas?
Conheço um monte de pessoas que tiram fotos em
bibliotecas quando viajam para o exterior, mas nunca pisaram na biblioteca
pública da sua cidade. Não sabem nem o endereço.
Claro que não é simplório tudo isso. Mas sabemos que
a Cultura e a Educação são duas peças importantes no tabuleiro social. Ouso
dizer que são rei e rainha. Sem essas peças fica quase impossível de se avançar
no jogo do poder de decisão, de liberdade, de autonomia.
Enquanto os políticos continuam dando as costas para
as bibliotecas a população abraça. Em tempos de caos ter acesso às letras para
saber escolher a frase que nos move para a marcha de um país mais digno é
fundamental. A minha eu brando aos quatro ventos "Um por todos e todos por
um Brasil de leitores!".