11 de mar. de 2017

Por que os governos nunca abraçaram as bibliotecas?



Autoria: Volnei Canonica.
Fonte: Publish News.
Volnei Canônica discorre em sua coluna sobre o papel das bibliotecas e o que tem sido feito para que elas recebam os cuidados que merecem
Está marcado para amanhã, quarta-feira (25), no Centro Cultural São Paulo (Ruas Vergueiro,1000, Paraíso – São Paulo / SP), um "abraçaço" promovido por bibliotecários, funcionários, mediadores de leitura e amigos das bibliotecas. O ato simbólico, no dia do aniversário de São Paulo, é para mostrar o descontentamento a uma das primeiras medidas do novo prefeito João Dória de privatizar as bibliotecas públicas.
Mas por que os governos no Brasil nunca abraçaram as bibliotecas escolares, públicas e comunitárias?
Quando praticamos o ato de abraçar queremos mostrar que: gostaríamos de estar bem perto, gostaríamos de proteger, gostaríamos de trocar afeto.
Mas o que vemos há anos dos governos municipais, estaduais e federal em relação a estes equipamentos democráticos? Um aceno de adeus ou no máximo um aperto de mão. Nunca um abraço!
A biblioteca pública é o equipamento cultural que está presente em quase todos os municípios brasileiros. Em se tratando de comparação temos o dobro de bibliotecas públicas em relação a museus e salas de cinema. Se somarmos então as bibliotecas escolares, comunitárias, universitárias e especializadas, podemos afirmar (nas diferentes funções que cada biblioteca exerce) que esses equipamentos são fundamentais para que, além da informação, a cultura da escrita e da imagem seja acessada pelos brasileiros.
Quero dizer para os que ficam em suas casas lendo ou os que conhecem os livros apenas nas livrarias, que estão redondamente enganados e que as nossas bibliotecas estão "as moscas". Essa afirmação geralmente é feita por quem nunca pisou em uma biblioteca. Então, parem de achar que a instituição biblioteca está falida.
Não sou ingênuo, ou melhor, sou um bom frequentador de todos os tipos de bibliotecas em várias regiões do país e sei que em muitos lugares o potencial deste equipamento está funcionando a menos de 30%. Sabemos da falta de estrutura, de acervo, de profissionais qualificados, etc. Mas sabemos que neste mesmo lugar se a biblioteca fosse abraçada pela gestão pública o potencial de formar leitores seria contemplado em 100%.
Quando o prefeito de São Paulo anunciou que irá entregar 52 bibliotecas para organizações sociais fazerem a gestão, ele dá um belíssimo aceno de adeus a todo o trabalho realizado durante anos na maior rede de bibliotecas municipais da América Latina e atesta que a capacidade da gestão pública de seu governo é fraca e ineficiente.
Quando alguém se propõe a ocupar um cargo máximo na gestão pública é porque acredita e quer investir nela. Assumir a gestão pública e sair privatizando os espaços é quase a mesma coisa que assumir uma empresa privada cheia de funcionários, não pensar na qualificação e carreira deles, e contratar várias assessorias para fazer o trabalho.
Sou extremamente a favor da parceria entre o público e o privado. Podem perfeitamente se abraçarem. Mas nunca um pode ocupar o lugar do outro. Coordenei durante cinco anos um programa de promoção da leitura, de um instituto privado, que apoia o fomento de bibliotecas escolares, públicas e comunitárias. O papel que exercíamos era o de potencializar o que essas bibliotecas tinham de melhor e evidenciar suas fragilidades para que pudessem se transformar em fortalezas. Nunca fizemos a gestão destes espaços, mas sim apoiamos com conhecimento e ferramentas e também nunca decidimos sobre o bem público. Não cabe ao setor privado decidir políticas públicas. Isso não o isenta da sua responsabilidade sobre o que é público. Às vezes é muito tênue a linha que separa o público do privado e por ser tênue é que precisa estar bem definido o que é de um e o que é de outro.
Se a contratação de organizações privadas for para ajudar na burocracia e agilizar a realização de ações nas bibliotecas acho que são bem vindas. Mas se for para tomar conta de tudo, acho que estão em desvio de função. Conheço bem o sistema de Bibliotecas Parques da Colômbia que trabalha justamente nessa dobradinha público-privado. O privado tem um papel importante de produtor e viabilizador das políticas educacionais e de promoção da leitura que é pensada e gerida pela gestão pública.
Não consigo entender porque os políticos não fazem esforços para qualificar a gestão pública. Cada vez mais o Estado fica sucateado. Se o voto não fosse obrigatório será que servidor público votaria em algum candidato?
Tenho certeza que algumas pessoas irão dizer, mas na Europa, Estados Unidos, Japão, as bibliotecas são diferentes, são melhores. Minha primeira resposta seria: O que parece bom pra você talvez não seja bom para mim ou outros brasileiros. Depois com mais calma (sim fico nervoso quando o assunto é bibliotecas) eu perguntaria: O que você faz para as bibliotecas brasileiras serem tão boas como essas que você acha que é? Abraça as bibliotecas ou abana do outro lado da rua? Você cobra do seu candidato eleito ou daquele que se elegeu sem o seu voto que abrace as bibliotecas?
Conheço um monte de pessoas que tiram fotos em bibliotecas quando viajam para o exterior, mas nunca pisaram na biblioteca pública da sua cidade. Não sabem nem o endereço.
Claro que não é simplório tudo isso. Mas sabemos que a Cultura e a Educação são duas peças importantes no tabuleiro social. Ouso dizer que são rei e rainha. Sem essas peças fica quase impossível de se avançar no jogo do poder de decisão, de liberdade, de autonomia.
Enquanto os políticos continuam dando as costas para as bibliotecas a população abraça. Em tempos de caos ter acesso às letras para saber escolher a frase que nos move para a marcha de um país mais digno é fundamental. A minha eu brando aos quatro ventos "Um por todos e todos por um Brasil de leitores!".

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