Fonte: Jornal do Brasil. Data: 2/02/2013.
URL: www.jb.com.br/rio/noticias/2013/02/02/furto-de-obra-rara-da-biblioteca-de-belas-artes-do-rio-tramita-na-justica/
Um dos maiores
patrimônios culturais da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), a
biblioteca da Escola de Belas Artes (EBA) conserva um rico acervo de obras
raras, constituído, em grande parte, pelos livros que chegaram ao Brasil pelas
mãos da Missão Artística Francesa, trazida pelo rei dom João VI. Ao todo, são
consideradas raridades cerca de 800 livros, dos mais de 30 mil títulos
existentes na biblioteca, a mais antiga da universidade.
Em fevereiro de
2006, a biblioteca da EBA foi alvo de furto que resultou em um processo que
ainda hoje tramita na 4ª Vara Federal Criminal do Rio de Janeiro. Duas
mulheres, que se identificaram como pesquisadoras, compareceram três vezes à
biblioteca para consultar as obras raras e, na última visita, saíram levando o livro
Ornithologie Brésilienne, Histoire des Oiseaux du Brésil, de
Descourtilz, datado de 1852. “O furto ocorreu na véspera do carnaval. Eu me
lembro que uma das duas mulheres estava grávida”, conta a professora Ângela
Luz, na época diretora da Escola de Belas Artes. “As duas preencheram as
fichas, como faz qualquer visitante, fizeram sucessivas consultas e foram, aos
poucos, ganhando a confiança das bibliotecárias”, recorda Ângela.
“No último dia,
uma delas se levantou, dizendo que ia ao banheiro e a outra continuou
pesquisando os livros, mas, depois, foi embora. A bibliotecária estranhou e foi
até à mesa, constatando que elas tinham deixado alguns objetos pessoais, como
uma caixa de óculos sobre a mesa. E, ao recolhermos os livros, vimos que da
obra rara sobre os pássaros só havia a capa dura. O miolo do livro tinha sido
retirado e, em seu lugar, foi colocado um atlas antigo, do mesmo tamanho”,
relata a então diretora da faculdade, que imediatamente comunicou o fato à
Polícia Federal.
“Envolvemos os
objetos pessoais que elas deixaram em um plástico bolha. Esse material foi
entregue à polícia”, conta Ângela Luz, para quem as impressões digitais
deixadas nos objetos ajudaram na identificação das autoras do furto.
O livro foi
encontrado em 2007, em São Paulo, pela Polícia Federal, que estava investigando
outros furtos de obras raras cometidos pelo mesmo grupo. No meio de vários
livros furtados de outras instituições, estava o miolo de Histoire des
Oiseaux du Brésil. No dia 27 de outubro daquele ano, a professora Ângela
Luz viajou até a capital paulista para identificar e trazer de volta a obra.
O episódio obrigou
a Escola de Belas Artes, assim como outras unidades da UFRJ, a reforçarem o
sistema de segurança de suas bibliotecas. Além da vigilância das câmeras, a consulta
às obras raras exige o preenchimento de uma ficha informando a razão e uma
carta de encaminhamento da direção da escola. As obras são ainda protegidas por
uma etiqueta antifurto e por alarme.
O caso resultou em
denúncia do Ministério Público Federal (MPF), encaminhada à Justiça Federal. As
investigações levaram aos nomes das supostas autoras do furto – Iwaloo Cristina
Santana Sakamoto e Verônica da Silva Santos - e também ao de Laéssio Rodrigues
de Oliveira que, segundo o MPF, já esteve envolvido em diversos furtos em
museus e bibliotecas.
De acordo com a
denúncia do MPF, Laéssio integra, juntamente com Iwaloo, Edina Raquel de Souza
Cordeiro, Marcos Pereira Machado e Ricardo Pereira Machado, um grupo
especializado em furtar e vender obras raras de acervos de museus e fundações
públicas. Outra denúncia tramita contra o grupo na 4ª Vara Federal Criminal do
Rio, sob a responsabilidade do procurador Carlos Alberto Aguiar.
Estudante de
biblioteconomia, Laéssio, apontado como o líder do grupo, foi preso pela
Polícia Federal em outubro de 2006, juntamente com Iwaloo, Edina Raquel e
Marcos Pereira Machado. Segundo a investigação policial, o grupo planejava
furtar peças raras da Fundação Casa de Ruy Barbosa, em Botafogo, na zona sul do
Rio.
No dia 2 de
janeiro, a Agência Brasil publicou reportagem sobre a denúncia do MPF,
encaminhada à 4ª Vara Criminal Federal do Rio, a respeito do furto na Escola de
Belas Artes. A denúncia, a cargo do procurador José Guilherme Ferraz, faz
menção a uma cópia do documento de controle de entrada de leitores da
Biblioteca Nacional, onde as duas supostas autoras do furto estiveram, com seus
nomes verdadeiros, na véspera de sua primeira visita à biblioteca da Escola de
Belas Artes.
Procurada agora
pela Agência Brasil, Iwaloo Cristina Sakamoto alega que foi acusada de um ato
que não cometeu. Ao depor na polícia, ela também negou estar envolvida no furto
ocorrido na biblioteca da EBA. Em função do episódio da Casa de Ruy Barbosa,
Iwaloo ficou detida por quatro meses.
“Eu não estou
envolvida. Isso aí está no ano de 2006. Pra te falar a verdade, eu nem me
lembro se estive mesmo no Rio em 2006. Agora, eu não estou envolvida. Eu nunca
fui a essa faculdade. Eu nem sei onde ela fica”, disse Iwaloo que, no entanto,
admitiu ter ido à Biblioteca Nacional. “Se eu estive na Biblioteca Nacional foi
em caráter de passeio, de turismo no Rio de Janeiro, nada mais além disso”,
acrescentou.
Iwaloo Sakamoto
atribuiu o fato de ter sido acusada do furto à relação de amizade que mantém
com Laéssio Rodrigues de Oliveira. “Pelo fato de eu ter amizade com o Laéssio,
não significa que eu participe das mesmas coisas que ele. Aliás, fui presa por
causa disso, por minha amizade com ele.”
Depois de quatro
meses na penitenciária Bangu 7, Iwaloo, que estava grávida, ganhou a liberdade
cinco dias antes de seu filho nascer. Desde então, responde em liberdade ao
processo que corre sobre o furto na Casa de Ruy Barbosa, caso em que ela também
alega inocência.
“Na Fundação Rui
Barbosa, eu não roubei nada lá, entendeu? Simplesmente foi feito um favor para
um amigo do Laéssio. Eu só fui lá para verificar, mas nada além disso. Eu não
levei nada, eles não têm como provar, porque eu realmente não fiz nada. Eles
estão me indiciando. Dizem que este mercado [furto de obras raras] é o quarto
maior de coisas ilícitas, mas eu moro de aluguel, eu estou grávida e meu filho
não tem nenhum enxoval. Eu não tenho dinheiro e não tenho como, você me
entende? Eu só estou gastando dinheiro com advogado. Se eu tivesse ganho algum
tipo de lucro, eu não tive lucro nenhum. Só prejuízo”, relatou a acusada.
Por intermédio da
assessoria de comunicação do MPF no Rio, o procurador José Guilherme Ferraz
disse que, no momento, não tem mais nada a informar sobre a denúncia enviada à
Justiça Federal, além do que já disse no início de janeiro. Se for condenada na
Ação Penal 0812174-92/2007, que tramita na 4ª Vara Federal Criminal do Rio,
Iwaloo Cristina Sakamoto pode pegar de dois a oito anos de prisão.