Autor:
Vladimir Safatle.
Fonte: Folha de S. Paulo. Data: 05/02/13.
"A Carta Roubada" é um
dos contos mais célebres de Edgar Allan Poe. Nele, o escritor norte-americano
conta a história de um ministro que resolve chantagear a rainha roubando a
carta que lhe fora endereçada por um amante.
Desesperada, a rainha encarrega sua
polícia secreta de encontrar a carta, que provavelmente deveria estar na casa
do ministro. Uma astuta análise, com os mais modernos métodos, é feita sem
sucesso. Reconhecendo sua incompetência, o chefe de polícia apela a Auguste
Dupin, um detetive que tem a única ideia sensata do conto: procurar a carta no
lugar mais óbvio possível, a saber, em um porta-cartas em cima da lareira.
A leitura do conto de Edgar Allan
Poe deveria ser obrigatória para os responsáveis pela educação pública. Muitas
vezes, eles parecem se deleitar em procurar as mais finas explicações,
contratar os mais astutos consultores internacionais com seus métodos
pretensamente inovadores, sendo que os problemas a combater são primários e óbvios
para qualquer um que queira, de fato, enxergá-los.
Por exemplo, há semanas
descobrimos, graças ao Censo Escolar de 2011, que 72,5% das escolas públicas
brasileiras simplesmente não têm bibliotecas. Isto equivale a 113.269 escolas.
Um descaso que não mudou com o tempo, já que, das 7.284 escolas construídas a
partir de 2008, apenas 19,4% têm algo parecido com uma biblioteca.
Mesmo São Paulo, o Estado mais rico
da Federação, conseguiu ter 85% de suas escolas públicas nessa situação. Ou
seja, um número pior do que a média nacional.
Diante de resultados dessa
magnitude, não é difícil entender a matriz dos graves problemas educacionais
que atravessamos. Difícil é entender por que demoramos tanto para ter uma
imagem dessa realidade.
Ninguém precisa de mais um discurso
óbvio sobre a importância da leitura e do contato efetivo com livros para a boa
formação educacional. Ou melhor, ninguém a não ser os administradores da
educação pública, em todas as suas esferas. Pois não faz sentido algum discutir
o fracasso educacional brasileiro se questões elementares são negligenciadas a
tal ponto.
Em política educacional, talvez
vamos acabar por descobrir que "menos é mais". Quanto menos
"revoluções na educação" e quanto mais capacidade de realmente
priorizar a resolução de problemas elementares (bibliotecas, valorização da
carreira dos professores etc.), melhor para todos.
A não ser para os consultores
contratados a peso de ouro para vender o mais novo método educacional portador
de grandes promessas.
Um comentário:
Este é o mais importante texto que li neste Ano Novo. Parabéns ao autor pela bela análise sobre as bibliotecas escolares.
Postar um comentário