Autoria: Carlos Guilherme Mota.
Fonte: O
Estado de S. Paulo. Data: 10/04/2014. Edição 794.
Em
fevereiro a Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin (BBM) passou a funcionar
sob nova direção, por decisão do reitor da USP, ciente da importância da obra
biblioteconômica excepcional do casal Mindlin. A necessidade de preservação da
biblioteca doada à USP para utilização competente do acervo por pesquisadores e
consulentes qualificados, dada sua alta especialização, demandava cuidados
muito especiais, a começar pela escolha de um corpo dirigente experimentado.
Afinal, além dos Mindlins, bibliófilos de mérito como Rubens Borba de Morais
(ex-diretor da Biblioteca Municipal de São Paulo), bibliotecárias competentes e
pesquisadores reconhecidos fizeram parte da formação e da história desse
acervo, do Brooklyn ao Butantã.
Já na
Cidade Universitária, vive-se momento decisivo da inserção adequada e efetiva
da biblioteca nas estruturas e na vida da USP. A hora é de saldar dívidas
pendentes e reavaliar compromissos assumidos. A visão humanista do novo reitor,
professor Marco Antonio Zago, com sua experiência no campo da pesquisa,
constitui garantia de um tempo melhor para a instituição. Desde logo nos
tranquiliza o fato de a biblioteca ter passado a ocupar uma das primeiras
prioridades na atual gestão.
A
nova orientação da BBM baseia-se na qualidade de pesquisas, projetos e obras de
pesquisadores de mérito, a serem selecionados a partir de critérios tornados
públicos, inspirados em padrões reconhecidos como o da FAPESP, de universidades
de primeira linha e instituições internacionais congêneres. O objetivo é
valorizar as atividades prioritárias de uma biblioteca especializada, no
sentido que lhe conferiu o historiador Robert Darnton, hoje na biblioteca de
Harvard. Ou seja, muita pesquisa, modernização, transparência na gestão e
atualização das técnicas de preservação, mas sem os excessos dos modismos de
uma cultura digital mal digerida.
A
vida profissional deste diretor teve início na Biblioteca Municipal Mário de
Andrade, no final da gestão de Sérgio Milliet, quando convivi com
bibliotecárias de altíssimo nível. Um de meus inspiradores historiográficos,
José Honório Rodrigues, foi diretor da Biblioteca Nacional. Mais recentemente,
a atuação de Eduardo Portella, com quem colaborei na Biblioteca Nacional e na UNESCO,
mostrou-me como um intelectual-professor pode lidar com acervos importantes.
Não menos importante foi meu estágio como pesquisador nas bibliotecas das
Universidades do Texas e Stanford.
A
nova direção reconhece o esforço coletivo para a implantação física no câmpus
de um edifício do porte da BBM; mas, ciente de que tudo o que é sólido pode
desmanchar-se no ar, trata-se já agora de definir projetos propriamente
acadêmicos que venham a dar sustentação à sua existência e identidade. Serão
valorizadas linhas de pesquisa centradas no acervo, a busca e o acolhimento de
pesquisadores de todos os quadrantes das Humanidades. Também eventos como os
Colóquios Mindlin, mensais, versando sobre temas, pesquisas, historiadores,
literatos e críticos significativos – como Charles R. Boxer, Sérgio Buarque de
Holanda, Guimarães Rosa, Sérgio Milliet, Antonio Candido – animarão a vida da
biblioteca, em rearticulação urgente com entidades congêneres internacionais
(como a John Carter Brown Library e as bibliotecas de Stanford e Princeton) e
nacionais (como as Biblioteca Nacional e Mário de Andrade, o Real Gabinete
Português de Leitura) e, claro, com o Instituto de Estudos Brasileiros da USP.
Pois a grandeza do projeto deve pressupor a grandeza discreta das atividades a
serem desenvolvidas.
Mais
informais, Cafés Acadêmicos serão dedicados a pesquisadores que venham a
realizar seus projetos na BBM, a visitantes eventuais e professores e
intelectuais de passagem por São Paulo. Já os colóquios, de nível elevado,
constituirão peça-chave das novas atividades.
Doação
exemplar
Quando
ainda na residência dos Mindlins, tal projeto era muito claro, com critérios
apurados para preservação e ampliação, mas também acesso ao acervo, dentro de
uma vocação assegurada por seus ilustrados possuidores. Ao transitar para uma
universidade pública, novas regras passaram a ser discutidas, aperfeiçoadas e
implementadas, abarcando questões complexas como manutenção do edifício,
financiamento, segurança, preservação, acessibilidade e linhas de expansão do
acervo. Tal transição imporá a criação de novos códigos de funcionamento e
fixação de critérios nítidos para acesso democrático e seleção de projetos de
pesquisa e de pesquisadores, a exemplo de outros centros especializados, como a
Newberry Library (Chicago).
Em
associação com a Editora da USP, a BBM deve lançar uma publicação especializada
(semestral), a exemplo do Boletim Bibliográfico criado na Biblioteca Mário de
Andrade pelo escritor Sérgio Milliet. E publicará opúsculos sob o título
Colóquios Mindlin. Ainda com a Edusp, analisamos a possibilidade de lançar uma
Coleção Nova Brasiliana, com obras derivadas das melhores teses de doutorado e
mestrado da USP e outras universidades e de escritores não pertencentes à
academia. Os critérios de seleção serão definidos pelo Comitê Acadêmico.
A
preservação e a restauração de obras raras constituirão uma das prioridades da
nova gestão, com atenção especial ao laboratório. Com o tempo, também a encadernação
– uma das atenções de Guita Mindlin – deverá ser objeto de cuidado, podendo
tornar-se referência nacional (uma “escola”).
Não
desconhecemos a crise orçamentária da USP, com possíveis reflexos no futuro
imediato da BBM. Porém, com o novo planejamento e ação conspícua, em poucos
meses a USP vai se reerguer. Quanto à Brasiliana dos Mindlins, trata-se agora
de uma instituição pública, instalada na maior universidade da América Latina,
segundo desejo expresso na doação generosa e exemplar da família Mindlin.
Dotada de um Conselho Deliberativo representativo, bem como de um Comitê
Acadêmico pluridisciplinar de alto nível, com mandatos definidos, evitar-se-á
definitivamente a “personalização” da instituição. Pois se entende que as
instituições devem ser maiores do que as pessoas, que passam, assim como
terminam os mandatos de seus transitórios dirigentes… Que o exemplo dos
Mindlins se multiplique!
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Carlos Guilherme Mota é professor
emérito da FFLCH da USP, professor titular da Universidade Presbiteriana Mackenzie
e diretor da BBM
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