Fonte: Diário da Manhã. Data:
6/11/2014.
Autoria: Rariana Pinheiro.
URL: www.dm.com.br/texto/196497-biblioteca-ou-escola
Ler ou estudar? Das duas práticas qual a mais importante? Para desvendar
a questão, conversamos com educadores que discutem ainda as vantagens da
literatura no aprendizado
Já é sabido que séculos de conhecimento podem ser adquiridos em centenas
de páginas viradas. Seja na narrativa particular da literatura, ou na realidade
científica das obras didáticas. No entanto, entre estes dois meios, algum leva
vantagem na corrida pela busca do conhecimento? Em outras palavras: entender a
invasão da Rússia por Napoleão em 1812, através da visão do clássico Guerra e
Paz, de Tolstói, pode ser mais produtivo do que por meio dos livros de história
das salas de aula?
Sobre esta questão, o escritor de obras como Menino Maluquinho e Flitcs
Ziraldo, não tem dúvidas. E, certa vez causou burburinho, ao dizer para quem
quisesse ouvir: “atenção, estudar é importante para você não ser empregado dos
outros. Você tem que estudar para poder escolher o seu destino. Mas ler é muito
mais importante. Já escrevi 150 livros e vendi quase sete milhões de
exemplares. Dizem que escrevo direitinho. Mas nunca estudei na minha vida, só
li. A vida inteira li. Quem vai abrir sua cabeça para sacar suas escolhas é o livro.
Se pudesse ler todos os livros do mundo, você seria Deus, porque entenderia
tudo”.
Mas, a questão é complexa. E, muitos devem estar neste momento
questionando se ler e estudar não seriam a mesma coisa. Mas, não são. Na
verdade, tratam-se de práticas diferentes, apesar de complementares quase
indissociáveis. De acordo com a pedagoga e mestre em educação Ráquia Rabelo, a
leitura é importante e se trata de um importante pré-requisito para o
estudo.
“Podemos pegar um determinado conteúdo e lê-lo, mas isso não significa
que o leitor esteja estudando. Nesses casos pode ser apenas um ato de prazer ou
de lazer. Mas, é claro que nesses momentos o sujeito está também estimulando a
imaginação, enriquecendo o vocabulário, envolvendo linguagens diferenciadas,
adquirindo informações diversas”, analisa.
Dessa forma, a pedagoga acredita que estudar vai além, pois trabalha com
conhecimentos científicos, com objetivos pré-definidos. Segundo ela exige
ainda, o interesse, perspicácia, concentração, dedicação, e uma boa compreensão
da leitura que permita ao indivíduo relacionar diferentes textos, colocando-se
em diálogo com as ideias dos autores.
No entanto, voltando a questão sobre qual seria mais importante, ler ou
estudar, Ráquia disse não poder tratar do assunto, a partir de reducionismos.
Para ela, a resposta deve-se levar em conta especificidades, como: Para quê?,
Quem? Em quais condições e qual contexto que deve ser analisado?
“Digamos que em uma sala de aula, o professor utilize um texto
complementar para o tema que esteja trabalhando. Neste caso, a leitura será uma
forma de estudar. Em alguns casos, mais atraente e enriquecedora. Mas, se este
mesmo sujeito a quem foi requerida tal leitura for um analfabeto funcional, ela
por si só não o possibilitará compreender e interpretar tais tipos de textos
científicos. Nesse caso, será preciso uma maior ajuda ou estudo que o
possibilite desenvolver melhores habilidades de leitura, escrita, e assim por
diante”, argumenta.
Saber ler
Os mais de 30 anos de experiência dedicados à educação, seja como
professora, coordenadora ou diretora de diversas escolas de Goiânia, fizeram a
também pedagoga e mestre Márcia Carvalho, acreditar que, dentro deste dilema, o
mais importante é: saber ler ou estudar.
“De uma forma mais simplista digo que, se o sujeito for unicamente um
decodificador de símbolos, não apreenderá o conteúdo daquilo que esta lendo e,
se ler com fluência e não foi ensinado a interpretar, refletir, analisar e
ressignificar o conhecimento, a leitura terá pouca serventia, não será um
instrumento de transformação”, debate, ela que já comandou a pasta da
Secretaria Municipal de Educação de Goiânia por três anos e hoje é diretora da
Câmara Municipal de Goiânia.
Para aprofundar seu argumento, Márcia Carvalho cita a pedagoga Rousaura
Soligo e afirma que a compreensão da leitura depende da relação entre os olhos
e o cérebro. “Partindo desse princípio, a prática da leitura deve ser capaz de
resultar na existência de um leitor ou leitora, que compreenda, não só a
essência do texto, mas, que consiga estabelecer relações com o autor ou autora
da obra”, argumenta.
Desse modo, a pedagoga completa que, quando um indivíduo de fato sabe
ler, quer dizer que tem um ótimo aliado aos estudos. Pois, a prática desenvolve
o raciocínio, o senso crítico e a capacidade de interpretação. E, neste caso,
nem é necessário que o aluno leia apenas Machado de Assis, mas, revistas de
entretenimento são também válidos ao conhecimento.
“Todo material de leitura é importante. O que nós, educadores, buscamos
com grande frequência é orientar textos que levem a reflexão, que gerem
conhecimento e que proporcionem alegria. Enfim, ler deve ser prazeroso e
educativo. Podemos utilizar o interesse pessoal dos educandos para estimular a
leitura. Se gostarem de gibis, revistas jornais, internet, TV, entre outros,
podemos nos usar desses instrumentos e conseguir grandes avanços nos quesitos
leitura e interpretação”, explica.
Para formar devoradores de livros e, consequentemente bons alunos e
profissionais, a pedagoga aconselha, que a escola deva proporcionar variados
momentos de leitura. Segunda a educadora o colégio, precisa propiciar debates,
reflexões em ambientes diferenciados (quando possível), concursos internos de
poesias, redações, desenhos, histórias em quadrinhos, montagem e apresentação
de peças teatrais.
Porém, se por um lado é dever da escola criar metodologias que se
mostrem eficazes em despertar o gosto pela leitura, o papel da família, para
enraizar o hábito não é menos importante. “O prazer deve ser despertado na
primeira infância. Os pais devem ler com frequência para seus filhos e filhas,
encenar as histórias com vozes diferentes, pois, isto atrai a atenção das
crianças. Assim, quando a criança chegar à idade escolar, demonstrará interesse
pela leitura e, com certeza, será alfabetizada com maior rapidez, prosseguindo
seus estudos com tranquilidade”, conclui.
Tal mãe, tal filha
Tavez seja por ter sido incentivada desde muito nova a ler, por sua mãe,
a gerente de Recursos Humanos Rogéria Rizzete, que Cecília de 11 anos, tem se
destacado na escola. “Ela sempre foi muito bem nas matérias que exigem
interpretação de texto. Os professores ainda elogiam sua leitura e dizem que
ela comete poucos erros de português, em comparação com outras crianças da
idade dela”, comemora Rogéria.
Mas, não apenas no Português a literatura tem lhe beneficiado. Por ter
lido recentemente o best seller de John Green, A Culpa é das Estrelas, Cecília
é a única na sua sala que sabe falar como é a capital dos países baixos,
Amsterdã. Por meio do livro ainda iniciou, por conta própria, o conhecimento
sobre assuntos, que só seriam aprofundados no Ensino Médio.
“Em A Culpa é das Estrelas eles visitam a casa de Anne Frank. Aí Cecília
foi atrás e pegou o livro Diário de Anne Frank na escola, e dias atrás estava
discutindo sobre ele com os professores. A maioria das crianças de 11 anos
sequer sabe o que foi o Nazismo, mas a leitura fez com que ela já tivesse esse
contato”, conta Rogéria.
Mas, se hoje a pequena lê por vontade própria livros, como Meu Pé de
Laranja Lima e sabe quem é Van Gogh, não foi apenas pelo incentivo contínuo dos
pais, mas também seus bons exemplos. Desde quando era um bebê, que Cecília, vê
a mãe ler, cerca de quatro livros por mês. Em sua casa há ainda uma respeitável
estante recheada com centenas de títulos. Seu outro método, também revela.
“Pego bastante no pé também”.
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