Fonte: Folha de S. Paulo. Data: 14/07/2015.
Uma blusinha está sobre o livro “50 Tons de Cinza”.
Em cima de um “Diário de um Banana“, algumas saias. Logo abaixo da saga “Harry
Potter”, sapatos de diferentes modelos e tamanhos.
Em Paraisópolis, uma das maiores favelas de São
Paulo, na zona sul, os 12 mil livros disponíveis na biblioteca Becei passaram a
dividir espaço com roupas e acessórios.
Depois de perder o convênio com uma empresa belga,
que garantia grande parte da sustentabilidade financeira do local, Alexandre
Cabral, 34, fundador do espaço, passou a realizar brechós e, inclusive, uma
“vaquinha” virtual, para não fechar as portas.
Prestes a completar duas décadas de existência, em
setembro, a primeira biblioteca comunitária montada em uma favela no Brasil, segundo
Cabral, anda mal das pernas. A internet e o telefone foram cortados. Um dos
computadores, que garantia conexão à rede para os visitantes, foi colocado à
venda.
No último sábado (11), foi realizado o primeiro
brechó. Bem sucedido, a segunda edição, ainda sem data marcada, já está
garantida. Do total arrecadado, 10% será destinado à vaquinha virtual, que
busca angariar R$ 17 mil, até o dia 8 de agosto.
“Não podemos deixar que a biblioteca seja fechada.
Primeiro, por ser um espaço dedicado à reflexão no centro de uma das favelas
mais populosas do país. Segundo, porque ela é importante para abrandar os
estigmas cultivados pelas classes mais abastadas de que os bairros mais
vulneráveis são exclusivamente reduto da marginalidade”, conta Cabral, que é graduado
em jornalismo pela Faculdade Cásper Líbero.
Aos 15 anos de idade, e com apenas 15 livros nas
mãos, o pernambucano radicado em São Paulo deu vida ao local, que funciona de
domingo a domingo.
“Esse sufoco acontece de tempos em tempos. Os
patrocinadores e apoiadores vão se tornando mais escassos. As contas vão sendo
postergadas, assim como o conserto das infiltrações nas paredes. Como a ajuda
passa a ser esporádica, o futuro da biblioteca acaba sendo incerto”, lamenta.
Se de um lado o presente parece tempestuoso e o
futuro uma incógnita, a história de Cabral e da biblioteca Becei vem sendo
marcada pela conquista de prêmios. Em 2005 e 2008, venceu o prêmio Empreendedor
Social, concedido por uma entidade localizada no Morumbi; e em 2006, recebeu
Medalha de Honra ao Mérito do Livro, do Ministério da Cultura.
“Pagar as contas é fundamental, afinal, nos permite
pensar em como fazer mais e melhor. Mas investir no sonho de uma vida diferente
para os moradores é o que faz a biblioteca existir. Temos o orgulho de ter
recebido mais de um milhão de visitas ao longo desses anos”, sentencia Cabral.
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