Alberto Villas
O primeiro livro que comprei na vida, nunca me esqueci. Era
menino ainda quando entrei na Livraria Amadeu, na rua Tamoios, no centro de
Belo Horizonte e sai de lá com aquele livrinho de 148 páginas, embrulhado num papel
que parecia papel de pão. Voo Noturno, de Antoine de Saint-Exupéry, publicado
pela Difusão Europeia do Livro, tinha uma capa azul e branca, meio modernista.
Uma joia que despertou a minha atenção porque sonhava em ser aviador, antes de
sonhar em ser piloto de Fórmula 1, logo eu que, tantos anos depois, sequer sei
ligar um automóvel.
Com muito capricho, escrevi o meu nome na página 7, a do
prefácio assinado por André Gide, e registrei: Livro número 001. Tinha certeza
que, na minha vida, compraria muitos e muitos livros, uns cem. Era o meu sonho
ter uma casa forrada de livros por todos os lados.
A minha, naquela época, não tinha muitos. No escritório do meu
pai, ele guardava na estante, muitos compêndios técnicos sobre meteorologia,
sua profissão, e algumas enciclopédias: O Tesouro da Juventude, o Mundo da
Criança, a Delta Larousse e uma, com apenas dois volumes: Como Criar Meninos e
Como Criar Meninas.
Um dia perguntei ao meu pai porque ele não comprava a
Enciclopédia Britânica, aquela com a lombada gravada em ouro, meu sonho de
consumo de menino. Ele disse que era muito cara e eu entendi perfeitamente que
criar cinco filhos e ainda comprar uma Enciclopédia Britânica em 30 volumes,
não dava mesmo.
Depois de me apaixonar com as aventuras do piloto Fabien do Voo
Noturno, parti pro segundo livro, A Filha do Diretor do Circo, que o meu pai
tinha, escondido, na sua pequena biblioteca. O livro era meio esquisito porque
veio com as páginas coladas e minha mãe teve de abrir, uma a uma com a faca.
Nunca mais parei de ler livros.
Jornalista formado, toda casa que ia – e ainda vou – entrevistar
pessoas, adoro quando vejo uma estante cheia de livros. Outro dia mesmo fui na
casa do Marcelo Dantas e fiquei encantado com a biblioteca que ele tem na
cozinha, transbordando de livros de culinária: Nobu, the cookbook, Peru, uma
aventura culinária, À mesa com Burle Marx, O livro essencial da cozinha
vegetariana, Salted, Wok e muitas outras preciosidades.
Curioso que sou, hoje sempre fotografo com o meu smartphone as
bibliotecas dos outros. Adoro ver fotos nos jornais e revistas, em que as
pessoas posam na frente de uma estante. Foi assim que descobri um livro meu – O
Mundo Acabou – na casa do escritor Moacyr Scliar.
Outro dia, fui ver o filme Que horas elas volta? pela segunda
vez, só pra descobrir que livro era aquele que a Jessica se interessou, quando
viu a estante do patrão da sua mãe, a Val. Foi prestando muita atenção que tive
certeza se tratar de Viva o Povo Brasileiro, do João Ubaldo Ribeiro.
O filme Chico, um Artista Brasileiro, também já vi duas vezes,
só pra bisbilhotar a biblioteca do compositor de Vai Passar. O lance é muito
rápido mas deu pra ver que Chico tem na casa dele, além do volumoso Dicionário
Houaiss, os dois volumes da Mitologia do Kaos, um total de 1.304 páginas que
reúne a obra do compositor Jorge Mautner, aquele do Maracatu Atômico, do Samba
Japonês e do Me segura que eu vou dar um troço.
Bisbilhotar bibliotecas é bom por isso. Eu nunca poderia
imaginar que o filho do Sergio Buarque de Hollanda guardava em casa, escritos
de Mautner, como esse:
“Minha missão é a de acordar as pessoas. Pouco a pouco vou
virando cada vez mais pregador do que escritor. Na conversa confessional, tudo
é diferente e propício! O momento existencial inescapável, as mudanças da face
com quem se fala, a respiração, a noite ou o dia que nos envolve”.
Fonte: Carta Capital.
Data: 18/12/2015.
Alberto Villas é jornalista e escritor, acaba de lançar o seu
sexto livro pela Editora Globo: “A Alma do Negócio”.
Nenhum comentário:
Postar um comentário