Autoria: Bolívar Torres.
Fonte: O Globo.
Data: 14/09/2016.
A mesma tecnologia que permite a jogadores caçarem
criaturas virtuais pela cidade pode ser a solução para dinamizar um mercado
editorial em crise no país. Surfando na onda do Pokémon Go, editoras investem
cada vez mais na utilização da realidade aumentada em suas publicações. O
recurso não é novo — vinha sendo utilizado sem muito alarde em obras físicas e
digitais desde 2008 — mas ganha força à medida que é aperfeiçoado e invade
progressivamente nossas vidas. Quem comprou a aposta, garante: chegou a hora e
a vez da realidade aumentada na indústria do livro.
Seja na ficção, no didático ou no infantil, as
possibilidades são múltiplas, desenvolvendo elementos gráficos em 3D, vídeo e
interações entre o virtual e o real. O princípio é o mesmo que o do famoso jogo
dos bichinhos japoneses, só que a serviço da leitura. Pela mediação de tablets
e smartphones, personagens saem da página e ganham vida, cenários fixos viram
mundos virtuais quase palpáveis, e a apresentação interativa de conteúdos
difíceis como matemática ou ciência tornam o aprendizado mais lúdico e
atrativo.
— Com a febre mundial do Pokémon Go, houve uma
popularização da tecnologia, o que sinaliza o óbvio: se já está sendo assim nos
games, será assim com os livros — avalia Josué Matos, da editora PenDragon, que
exibiu na última Bienal de São Paulo, encerrada no sábado passado, publicações
com a tecnologia em seu estande.
Seus mais recentes lançamentos (como a fantasia “Adelphos
— A Revelação”, de M. Pattal) incluem interações em 3D entre público e obra. Os
próximos prometem ir mais longe, oferecendo mapas virtuais em romances de
fantasia e personagens animados saltando dos livros e brincando com os
leitores.
— Felizmente o uso da tecnologia em um jogo mostrou o
caminho para a união perfeita entre imaginação e realidade — diz o editor. —
Saber fazer uso dessa tecnologia colocará definitivamente os livros de ficção,
ou de qualquer outro gênero, como ferramenta lúdica, com potencial para mudar o
mundo.
Por enquanto, as iniciativas atuais nesse sentido envolvem
principalmente os universos didático e infantil. Também na última Bienal, a DSOP,
especializada em educação financeira, exibiu o seu “Diário dos sonhos”, de
Reinaldo Domingos (com ilustrações de Bruna Assis Brasil). O livro traz
desafios animados, em que cenários e personagens saltam das páginas para
ensinar crianças sobre o uso de dinheiro.
Presidente da DSOP, Reinaldo Domingos aponta diversas
razões na demora para a ferramenta ganhar a indústria como um todo — e de
continuar sendo ainda apenas uma aposta no mercado editorial.
— O custo de criação ainda é relativamente alto em relação
ao processo de criação de um livro, o que torna um investimento arriscado — diz
ele. — Tem também o fato de ser uma ferramenta relativamente recente. Contudo,
tenho certeza que essa será uma tendência para o mercado de editoras, pela
necessidade cada vez maior de integrar o livro físico com novas tecnologias,
para sobreviver a uma evolução natural da comunicação.
Fundador da Ovni Studios, um estúdio independente de
games, Tiago Moraes desenvolveu, no final do ano passado, o projeto “Perônio”,
que junta a dinâmica dos livros animados com a interatividade digital das telas
sensíveis, e foi um dos primeiros lançamentos na linha híbrida 3D, realidade
virtual e aumentada. Ele acredita que, só agora, os dispositivos móveis ideais
para este tipo de experiência passaram a oferecer a performance necessária para
a difusão da tecnologia.
— Por muito tempo se usou a webcam dos computadores para
experiências de realidade aumentada, mas é fácil entender que os computadores e
notebooks não eram os dispositivos ideais para este tipo de experiência —
explica Moraes. — Antes do Pokémon Go, a grande maioria das pessoas não fazia
ideia do que se tratava. Agora, ao serem confrontadas com esse termo, já
associam ao jogo e sabem do que se trata. Devido à popularidade do aplicativo,
outros estão tentando surfar na onda da realidade aumentada, pois o mindset das
pessoas muda e as oportunidades aparecem.
Segundo Moraes, novas tecnologias demoram para chegar ao
consumo de massa. A partir de agora, contudo, a realidade aumentada tende a
evoluir de forma rápida — e quem souber aproveitá-la melhor deve sair na
frente.
— A tecnologia de hoje tenta fazer com que tudo esteja
dentro de nossos celulares. Muitas das coisas que fazíamos nos computadores são
feitas nos celulares, como e-mails, redes sociais, GPS, fotos e entretenimento
de forma geral — diz. — Em um período curto, tudo estará nos celulares,
computadores e TVs deixarão de existir.
“LIVROS INFANTIS SAEM NA FRENTE”
Com tese de doutorado sobre novas narrativas em mídias, a
professora e coordenadora do curso de Jornalismo da Eco-UFRJ Cristiane Costa
acredita que, de todas as novas estratégias para os livros animados, a
realidade aumentada é a que tem mais possibilidade de vingar. Uma de suas
principais vantagens em relação ao livro pop-up, que cria animações em
dobraduras por meio de um complexo trabalho com o papel, é que ela não demanda
os altos custos de impressão.
— Embora tenha uma linguagem única, a realidade aumentada
é uma evolução dessa estética que já existia no impresso com os livros pop-up —
explica. — Seu desenvolvimento a popularizou e aumentou o nível de
interatividade.
Depois de pesquisar o assunto com Cristiane na UFRJ, a
produtora editorial Aline Pina passou a editar um site sobre as novidades do
uso da tecnologia nos livros. Segundo ela, os grandes grupos editoriais no
Brasil continuam alheios às inovações nesse campo, que estão sendo introduzidas
no mercado principalmente por editoras independentes, startups e agências de
publicidade.
— Um bom projeto com realidade aumentada precisa ter um
projeto gráfico pensado para o digital, que explore ao máximo as interações e
as possibilidades oferecidas pelo conteúdo multimídia, e que esteja intimamente
ligado com o conteúdo do impresso ou do aplicativo — opina Aline. — Atualmente,
os livros infantis saem na frente porque têm maior apelo com as imagens, é mais
fácil adaptar as histórias às animações. Estes livros são como brinquedo nas
mãos das crianças, elas adoram. Nos didáticos, o uso da ferramenta torna o
conteúdo mais fácil de vivenciar e aprender, mais empírico, construindo um novo
entendimento baseado nas interações com objetos virtuais que trazem um material
complementar e de fixação das aulas.
Nenhum comentário:
Postar um comentário