Fonte: Jornal
da Ciência e-mail, n. 4506. Data: 28/05/2012.
Uma
iniciativa de cientistas do mundo todo está propondo uma revolução no mundo
acadêmico. Chamada de Primavera da Academia, a campanha incentiva o boicote às
editoras de periódicos científicos, que impõem aos interessados em seu conteúdo
assinaturas que chegam a US$ 40 mil.
O
movimento ganhou força com o apoio de universidades como Harvard, que publicou
um comunicado, no dia 17 de abril, incentivando seus pesquisadores a
disponibilizarem seus artigos gratuitamente em seu site. Contudo, hoje, apesar
das cobranças, os cientistas brasileiros ainda priorizam as publicações
tradicionais, publicando poucos artigos em revistas de livre acesso.
Os
pesquisadores justificam a preferência. "É importante publicarmos em
revistas tradicionais, pois elas têm uma notoriedade maior, e a Capes
[Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior] está muito
preocupada com o índice de impacto das publicações. Se o pesquisador não
publica artigos em revistas com alto índice, ele não é considerado prestigiado
na classificação do órgão, o que prejudica os alunos e o curso dele, pois
cursos com classificação abaixo de 4 na avaliação fecham. Se eu tiver cinco
artigos publicados na Nature, eu tenho portas abertas no mundo inteiro, o que
não ocorre se publicar cinco trabalhos em revistas de livre acesso",
explica o professor de bioquímica da Unicamp Anibal Vercesi.
O
professor de física da USP-São Carlos Vanderlei Bagnato concorda: "Você
tem que se preocupar em publicar em periódicos sérios e reconhecidos, porque,
para nós, a credibilidade do trabalho vem com a publicação nessas
revistas". Por outro lado, ele também destaca a importância da publicação
de artigos nas revistas de livre acesso. "Todo mundo quer ler trabalhos
relevantes. Por isso, as pessoas procuram acessar publicações de boa reputação,
e pelas quais não precisam pagar. Por isso, o ideal seria a gente unir essas
duas características em revistas de acesso livre, que também são mais
vantajosas para quem publica nelas, já que podem ser lidas por mais
pessoas", diz
Para o
professor emérito da Universidade de Brasília (UnB) e coordenador do Grupo de
Educação da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência(SBPC), Isaac
Roitman, o quadro brasileiro da publicação de artigos científicos deve ser
analisado historicamente. "Há 30, 40 anos, era muito mais difícil para o
pesquisador do Brasil publicar os seus trabalhos em periódicos científicos, e
poucas publicações brasileiras preenchiam os requisitos de qualidade exigidos.
Além disso, o acesso às revistas estrangeiras era muito mais difícil e
lento", analisa. Contudo, especialmente nos últimos 10 anos, a
popularização da internet permitiu o maior acesso a publicações do mundo todo,
que passaram a ter versões online.
Portal
facilita acesso - Para
acadêmicos e pesquisadores brasileiros, esse acesso é facilitado pelo portal de
periódicos da Capes, que disponibilizou, em 2011, o acesso a 31 mil revistas
científicas para 326 instituições de ensino do País, a um custo de R$ 133
milhões. Alguns dos conteúdos do portal da Capes, criado em 2000, são
acessíveis todos, como dissertações produzidas em programas de pós-graduação e
periódicos publicados no País. Outros conteúdos são liberados apenas para
bibliotecas, alunos e pesquisadores vinculados a universidades públicas e
privadas que atendam a pré-requisitos exigidos pela instituição, como oferecer
programas de pós-graduação que tenham uma nota mínima na avaliação da Capes.
Se o
valor gasto para a assinatura dos periódicos parece alto, Roitman diz que a
quantia é pequena se comparada ao que representa. "O portal da Capes é um
grande salto: é como se fosse uma grande biblioteca, acessível a diversas universidades
brasileiras. Poucos países têm algo de tamanha magnitude, com tantos conteúdos
de qualidade disponíveis. Pode parecer caro, mas considerando o valor que cada
um de nós pagaria para assinar as versões impressas dos periódicos, é muito
mais barato. Além disso, sem o portal, muitas pessoas não teriam acesso a esses
conteúdos", destaca.
Mesmo
com a existência do portal, o acesso a publicações científicas de renome no
mundo ainda é inviável para grande parte dos leitores de fora do mundo
acadêmico - que, diferentemente de muitos cientistas brasileiros, não recebem
verbas para assinatura de periódicos nacionais e estrangeiros. O auxílio aos
pesquisadores é fornecido pelas agências de fomento nacionais, como o Conselho
Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), vinculado ao
Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, e estaduais, como as fundações de
amparo à pesquisa, entre elas a Faperj e a Fapesp.
Publicações
de livre acesso - Mas
publicar em uma revista de livre acesso não significa se livrar de qualquer
tipo de cobrança. "Algumas cobram dos pesquisadores para publicarem seus
artigos. Outras não, pois são mantidas por apoio governamental, por exemplo. De
qualquer forma, sempre existe o custo de manter essas revistas, mesmo elas
sendo virtuais, pois têm demandas, como o corpo editorial. Alguém tem que
pagar", esclarece Bagnato.
Para
Vercesi, a popularização dos periódicos livres no País durante os próximos anos
depende de como forem administrados. "Mais importante do que cobrar ou não
dos pesquisadores para a publicação de artigos é que o leitor tenha livre
acesso. Seria maravilhoso que a ciência estivesse ao alcance de todos através
desses periódicos, mas qual vai ser a política para se chegar a isso? Uma opção
pode ser que as próprias fundações de amparo à pesquisa se associem para pagar
o custo dessas publicações", aponta.
Bagnato
considera incerto o crescimento dos periódicos de livre acesso no Brasil, e que
também depende do impacto de campanhas como a Primavera da Academia. "O
aumento do número de revistas de acesso livre no Brasil tem sido pequeno, e é
muito difícil prever o que vai ocorrer. Todo mundo gostaria de ter seus
trabalhos publicados em publicações de livre acesso, mas isso não ocorre se
elas não tiverem o impacto necessário. O futuro delas depende muito do que
acontecer a seguir, se eventos como o apoio dado por Harvard refletirem
mundialmente", ressalta.
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