Fonte: PublishNews. Data: 14/08/2012.
Autor: Felipe Lindoso.
URL: http://www.publishnews.com.br/telas/colunas/detalhes.aspx?id=69792
A Fundação Biblioteca Nacional divulgou nos últimos dias os números da
primeira etapa do programa de aquisição de acervos para as bibliotecas públicas
e comunitárias a partir do programa de livros de baixo preço.
Os números são muito significativos e foram amplamente divulgados: 2.114
bibliotecas, de todos os estados da federação, receberam um total de 1.900.574
exemplares de 10.859 títulos, de 274 editoras, das 510 editoras cadastradas. O
orçamento da primeira etapa do programa foi de 21 milhões de reais, dos quais
foram executados aproximadamente 17 milhões. As sobras dessa etapa serão usadas
na segunda etapa do programa, que já tem assegurado mais 16 milhões de reais.
É uma das maiores alocações de recursos para aquisição de acervos para
bibliotecas públicas que já houve.
Mas outras características qualitativas do programa merecem nota.
O primeiro e mais importante, sem dúvida, foi a eliminação do paradigma
anterior de escolha de listas de livros feitas por comissões nomeadas. Essas
comissões, formadas por professores e especialistas de leitura, eram compostas
por pessoas altamente qualificadas e com as melhores intenções possíveis.
Esse é que era o problema.
As comissões impunham listas homogêneas de títulos para bibliotecas do
Caburaí ao Chuí, desprezando completamente a diversidade de públicos e as
necessidades de cada biblioteca.
Esse método de escolha representava uma atitude extremamente paternalista:
os sábios escolhiam os livros que a patuleia deveria ler. O problema,
evidentemente, é que as necessidades dos usuários de bibliotecas nem sempre
coincidiam com as boas intenções dos sábios. A conjunção de livros velhos e de
textos que não interessavam aos leitores é, certamente, uma das causas do afastamento
dos usuários das bibliotecas. A pesquisa “Retratos da leitura no Brasil”, em
todas suas versões, mostra que a população conhece e acha importantes as
bibliotecas, mas não as frequenta precisamente por não encontrar ali o que
precisa (além de outros fatores, como o período limitado de seu funcionamento).
Certamente os acervos das bibliotecas públicas não devem obedecer à lógica
populista de ofertar tão somente o que é solicitado. O trabalho de mediadores
de leitura deve, necessariamente, ser informativo e orientador, jamais
impositivo.
Voltemos ao programa.
O processo de escolha dos livros usou um ambiente totalmente virtual,
através de um portal no site da Fundação Biblioteca Nacional. Esse método teve
uma vantagem e uma desvantagem. A vantagem foi a ausência de pressões diretas –
ninguém estava ali para pressionar os bibliotecários e responsáveis pelas
bibliotecas para escolher este ou aquele título. A desvantagem: a falta de
costume de boa parte de bibliotecas, editoras e livreiros no uso do sistema.
Uma das condições para que a biblioteca se cadastrasse no programa era a
constituição de uma comissão de usuários que participasse desse processo de
escolha. Certamente muitas dessas comissões não funcionaram a contento, com uma
existência meramente burocrática. Mas a exigência de que existam induz a uma
maior participação dos usuários na administração de suas bibliotecas. É uma
semente que esperamos ver frutificar.
Quando o programa foi lançado, havia consciência de que surgiriam muitos
problemas em sua execução. As novidades, muitas vezes, são de difícil
assimilação. Além do mais, aspectos práticos na execução de um programa desse
porte certamente surgiriam, e teriam que ser resolvidos no decorrer do
processo.
A previsão, evidentemente, foi correta. Inúmeros problemas surgiram. A
grande novidade é que, de modo muito inusitado, o órgão governamental previu o
surgimento de problemas (que não sabia quais seriam, evidentemente) e se
preparou para solucioná-los da melhor maneira possível.
A primeira dificuldade foi a de receber e encaminhar as dúvidas detectadas
pelos diferentes autores envolvidos no processo – editoras, livreiros,
bibliotecários. Um sistema de atendimento para isso não havia sido previsto, e
teve que ser criado com rapidez, sob pena de esgotamento físico das pessoas que
atendiam os telefonemas e recebiam os e-mails com perguntas e questionamentos.
Os problemas que apareceram foram bem variados. Alguns surgiram pelo
simples fatos dos interessados não lerem cuidadosamente os editais e instruções
do programa.
Alguns exemplos:
Editoras que cadastraram livros não disponíveis (por preço ou estoque).
Entendimento equivocado sobre quem faria a venda às bibliotecas. Várias
editoras achavam que venderiam diretamente às bibliotecas, embora o edital
fosse claro a respeito de que as vendas se dariam através do circuito de
livrarias cadastradas. A consequência do equívoco foi que houve editoras que
achavam que receberiam integralmente o preço de capa, quando na verdade
receberiam o líquido que descontava a margem das livrarias e os custos de
logística.
A logística, questão central não apenas do livro, mas de muitos outros
produtos, revelou-se um dos principais problemas. O custo de transporte deste
país de dimensões continentais continua sendo um impeditivo para que livros
baratos cheguem a todos os rincões. Os Correios não formularam uma política de
preços e prazos que fosse satisfatória.
Mas o grande desafio era incluir as livrarias no processo.
Esse objetivo foi alcançado, dentro do escopo do programa. Verificou-se
que 1.429 livrarias independentes receberam pedidos – quase metade do total –
para entrega às bibliotecas. Evidentemente as redes, embora tenham recebido uma
quantidade menor de pedidos, têm a vantagem da concentração.
E isso foi possível a partir de uma constatação óbvia. Nos programas
anteriores, a Biblioteca Nacional tinha que providenciar aluguel de armazéns,
contratar pessoas e sistemas para separar os volumes, empacotá-los e finalmente
pagar o transporte. Isso tudo tem um custo altíssimo, inclusive por ser uma
atividade esporádica: é um sistema que se monta e não se utiliza
continuadamente.
Quando se transfere essas atividades para as livrarias, não apenas as
dificuldades práticas somem, como também os custos se diluem e entram na
contabilidade geral de editoras e livrarias, que continuadamente tem que enviar
e receber livros. Isso permite que os recursos da BN sejam integralmente
aplicados na sua finalidade, e não se percam pagando os meios (logística).
A primeira etapa do programa colocava as bibliotecas diante da tarefa de
escolher os títulos que desejava entre a oferta disponibilizada pelas editoras,
em condições específicas (preço de capa até R$ 10,00).
A segunda etapa, entretanto, inverte essa equação. Agora serão as
bibliotecas que irão gerar demanda às editoras. O processo se dará com as
bibliotecas indicando – cada uma delas – duzentos títulos que gostariam de ter
disponíveis para seus acervos. A consolidação desses pedidos, pela ordem de
frequência, irá gerar uma lista de aproximadamente mil títulos.
Dentre esses títulos, quatrocentos dos indicados pelas bibliotecas serão
objeto de negociação entre a BN e as editoras, com o objetivo de conseguir
edições de até R$ 10,00 de preço de capa. A Biblioteca Nacional garantirá a
aquisição de quatro mil exemplares para as bibliotecas. As editoras deverão
colocar outros quatro mil exemplares para venda direta ao público comprador,
também com o preço de capa de R$ 10,00. O programa prevê a entrega de displays
e cartazes aos pontos de venda cadastrados.
Tal como as farmácias anunciam sua adesão ao “Farmácia Popular” do
Ministério da Saúde, as livrarias poderão anunciar que fazem parte da rede do
“Livro Popular” a R$ 10,00.
Uma das principais constatações da execução da primeira etapa do programa
foi a necessidade de melhorar a formação de livreiros e bibliotecários, e estão
sendo desenvolvidos programas de educação à distância para ajudar na solução
disso. Ainda falta encontrar um meio de melhorar o nível de informação dos
bibliotecários sobre a produção editorial, tanto em seus aspectos quantitativos
quanto qualitativos.
A questão da formação leva aos comentários finais.
A imprensa assinalou que a Martin Claret foi uma das editoras que mais
vendeu exemplares no programa, apesar do levantamento feito pela Denise Bottman
mostrando que várias de suas traduções eram, na verdade, plágio de outras
anteriormente publicadas.
Na ocasião eu me manifestei a favor da retirada desses títulos do
programa, pela incorreção das informações proporcionadas pela editora. A
Biblioteca Nacional – através de seus procuradores – se manifestou contra isso.
Os procuradores afirmavam que só se poderia “tirar do mercado” livros a partir
de uma decisão judicial transitada em julgado.
Ora, não se tratava de tirar livros “do mercado”, mas simplesmente do
Programa. Tal como o FNDE eventualmente atua quando os livros não estão dentro
do padrão desejado.
Além do mais, a editora declarou, na época, que iria retirar os livros
“com problemas” do cadastro. Não o fez.
Assim, livros problemáticos permaneceram no programa.
A Martin Claret anunciou recentemente, segundo a jornalista Raquel Cozer,
da Folha de S. Paulo, que estava relançando dezoito títulos com novas
traduções. Melhor para ela, mas o estrago já foi feito.
Felizmente, segundo informações do desempenho do programa, os títulos que
puxaram as vendas da Martin Claret foram, principalmente, de literatura
brasileira e portuguesa. Mas, evidentemente, foram vendidos também exemplares
dos títulos plagiados.
Esse é um dos pontos que, pessoalmente, considero que deve ser melhorado
no programa.
Essa situação, contudo, remete também à questão da formação e da
informação de bibliotecários e responsáveis pelas bibliotecas (nem sempre são
bibliotecários) acerca da produção editorial nacional, suas características e
seus problemas. Se bem formados e informados, não indicariam livros
problemáticos para aquisição.
Apesar dessas dificuldades, a execução do programa de compra de acervos
para as bibliotecas desenvolvido pela Fundação Biblioteca Nacional foi
extremamente exitosa e já é um marco de mudança nas políticas públicas do
setor.
O aperfeiçoamento, sempre necessário, irá melhorar seu desempenho e
qualidade, com o resultado final de proporcionar aos brasileiros um acesso
maior ao livro e à leitura.
E é mais disso que precisamos.
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