Autoria:
Lilian Cristina Monteiro França*
Fonte:
Jornal da Ciência. Data: 13/09/2013.
URL:
www.jornaldaciencia.org.br/impresso/JC745.pdf
Não
existe pesquisa sem revisão de literatura e referencial teórico. Em um momento
em que se acelera o fluxo de comunicação, e a Internet disponibiliza uma vasta
gama de artigos científicos, escritos sob as mais variadas perspectivas,
orientações e matizes teóricos, uma nova barreira apresenta-se.
Se,
antes da rede das redes, o acesso à produção acadêmica envolvia o deslocamento
até as grandes bibliotecas e a seus acervos de livros, revistas científicas, teses,
dissertações e monografias, demandando recursos consideráveis para o transporte/alojamento,
hoje, a cobrança por acesso a conteúdo (paywall systems) vai surgindo como nova
preocupação, mais uma vez segmentando o acesso ao conhecimento.
Um
pesquisador que deseje ler o artigo “n-3 fatty acids and lipoproteins:
Comparison of results from human and animal studies”, de William S. Harris, deve
“comprar o artigo” por $39,95 (USD); aquele que quiser estudar as mudanças no
jornalismo contemporâneo poderia, por exemplo, selecionar os artigos “Dumbing
down or shaping up: New technologies, new media, new journalism”, “Journalism
in a state of flux: Journalists as agents of technology innovation and emerging
news practices”, “New media and journalism practice in Africa: An agenda for
research”, “Coming to Terms with Convergence Journalism: Cross- Media as a
Theoretical and Analytical Concept”, “US Foreign Correspondents: Changes and Continuity
at the Turn of the Century”, e teria em seu “carrinho de compras” a quantia de
$125 (USD), $25 (USD), pelo acesso a cada um dos cinco artigos.
Mas,
se o preço parece alto, existem alternativas; é possível alugar um artigo
científico por 24h com valores que oscilam entre $1,99 (USD) e $12 (USD) ou
optar pela compra de pacotes que dão direito à leitura de um determinado número
de artigos por um preço mais baixo, por $9,99 (USD) ou $19,99 (USD), a depender
da área.
Nesse
shopping de artigos, a lei da oferta e da procura também funciona, artigos mais
procurados têm valor mais elevado, assim como autores mais conceituados.
Como
determinam as estratégias de marketing, lançamentos são mais caros e artigos
com mais de dois anos sofrem deflação; alguns chegam, mesmo, a entrar no espaço
de liquidação, antes de serem liberados para os espaços de acesso gratuito.
Grandes portais oferecem planos individuais e institucionais e descontos
especiais para quem quiser voltar a ser assinante.
No
site da DeepDyve-Search, Rent, Read é possível arrendar 40 artigos por $40
(USD) por mês, com a vantagem (sic) de poder manter os artigos alugados não utilizados
nos meses seguintes (“Unused rentals get rolled over”, afirma o site). O site
promete também varrer a DeepWeb, zona não indexada da Internet, onde
supostamente se encontram artigos e pesquisas raros, além dos chamados materiais
proibidos (como manuais terroristas, pornografia, tráfico de pessoas e drogas,
entre outros) e que merece a constante vigilância dos serviços de informação.
Em
resumo, o DeepDyve protege (sic) o usuário, que não precisa arriscar-se a mergulhar
nas águas turvas da “web invisível”.
Ironias
à parte, o mercado de artigos científicos vem se tornando cada vez mais
rentável.
Duas
das maiores editoras de artigos científicos elevaram os preços de suas
assinaturas online em mais de 145% nos últimos seis anos. A crise promovida
pelos paywall systems não atinge apenas os pesquisadores individuais.
Recentemente,
a universidade de Harvard publicou uma nota informando que não pode mais arcar
com o custo da assinatura de revistas e portais científicos (cerca de 3,5
milhões de dólares por ano) e recomendou que seus pesquisadores passassem a
publicar seus artigos em plataformas de acesso livre. Robert Darnton, diretor
da Harvard Library, em entrevista ao jornal The Guardian, disse que o custo da
assinatura de uma revista científica, como o The Journal of Comparative
Neurology, equivale ao custo de produção de 300 monografias (ver
www.theguardian.com/science/2012/apr/24/harvard-universityjournal-publishers-prices).
Um
movimento chamado “primavera acadêmica”, uma analogia à chamada “Primavera
Árabe”, capitaneado pelo matemático e pesquisador de Cambridge, Tim Gowers,
prega um boicote à principal editora de publicações científicas, a Elsevier. O
movimento conta com um site, o The Coast of Knowledge
(http://thecostofknowledge.com), em que os pesquisadores podem declarar o seu
boicote e optar porpublicar apenas em plataformas de acesso livre. O grupo
também se recusa a atuar como parecerista para qualquer tipo de publicação que
cobre por acesso, numa estratégia que pode desmontar os sistemas baseados na
avaliação do tipo peer reviewed.
As
três maiores editoras da área, Elsevier, Springer e Wiley, detêm mais de 20 mil
publicações científicas e representam 42% de todos os artigos publicados no
mundo, e o lucro das três somam alguns bilhões de dólares.
Submeter
artigos para a publicação em alguns periódicos também implica o pagamento de
taxas. A pressão para que os pesquisadores tenham seus trabalhos publicados
abriu um novo nicho de mercado; o preço para publicar artigos em algumas
revistas chega a $5.000 (USD), como é o caso da revista Cell Reports, que
destaca: “To provide open
access, expenses are offset by a publication
fee of $5000 (USD) that allows Cell Reports to support itself in a fully
sustainable way. This publication charge is the only fee that authors pay”
(grifo meu). O valor da taxa é superior à maior parte dos salários
mensais pagos a professores universitários no Brasil. A Cell Reports não cobra pelo
acesso aos artigos, inserindo- se no rol das publicações do tipo open acess.
Algumas
publicações exigem pagamento mesmo para artigos que forem rejeitados, sob o
argumento de que os pareceristas são remunerados para fazer a avaliação dos
artigos.
A
remuneração varia, em média, entre $32 e $400 (USD), para cada artigo avaliado.
De
todo modo, as contas não fecham. Os custos com impressão em offset não se
justificam numa era em que as publicações são majoritariamente baixadas pela
web, os custos administrativos alegados e com os pareceristas também não
justificam o fato de um artigo de 20 páginas custar quase o dobro de um livro
de cem páginas. Se a lógica fosse essa, as editoras já teriam fechado as suas
portas.
O
chamado “fator impacto” determina o “preço do prestígio”, fazendo com que os
pesquisadores invistam no pagamento para publicar, ameaçados pela pressão do
“publicar ou perecer”.
Recentemente,
quatro periódicos brasileiros foram punidos pela Thomson Reuters e suspensos do
ranking por um ano, em virtude da aplicação de um algoritmo que fazia elevar o “fator
de impacto” através do aumento do número de citações, fator esse que é
considerado nas avaliações de jornais científicos.
Em
uma era marcada pela Web 2.0 e sua perspectiva de produção colaborativa, o
mundo acadêmico parece sucumbir à lógica capitalista do lucro, monetizando a
ciência e a produção do conhecimento.
*Lilian
Cristina Monteiro França é professora/doutora do Departamento de Comunicação Social
da Universidade Federal de Sergipe (DCOS).
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