Fonte: Público (Lisboa). Data: 1/03/2014
Ao estabelecer uma ortografia unificada, o acordo
ortográfico (AO) iria facilitar a circulação do livro português no Brasil. Este
foi, entre muito outros, um dos argumentos brandidos em favor da sua aplicação.
Agora que, tanto em Portugal como no Brasil, boa parte das editoras adoptaram o
acordo, essa promessa começa já a concretizar-se? A resposta parece ser
negativa.
Entre os três principais grupos editoriais portugueses,
dois adoptaram o AO, abrindo apenas excepção para autores que rejeitem
expressamente a nova ortografia. É essa a política da Porto Editora e da LeYa.
No grupo Babel, cujo presidente, Paulo Teixeira Pinto, se opõe publicamente ao
AO, segue-se a lógica inversa, explica Sara Menezes, do departamento de
comunicação: "Utilizamos sempre a ortografia anterior ao acordo, a menos
que o autor diga algo em contrário." E, garante, "não é nada
frequente" que isso aconteça. A excepção à regra geral é o sector da
literatura infanto-juvenil, em cujas edições a Babel já vem utilizando o AO.
A LeYa é hoje o único dos três principais grupos
editoriais portugueses com um ramo brasileiro. A LeYa-Brasil publica edições
generalistas, mas está também presente no livro escolar, através da chancela
Alumnus. Tendo adoptado o novo AO já em Abril de 2011, a editora usa a norma
europeia nas edições portuguesas e a norma brasileira nos livros destinados ao
mercado brasileiro. O director de comunicação do grupo, José Menezes, diz que o
AO "não foi relevante" para os projectos da Leya no Brasil e adianta
que "dificilmente um livro publicado em Portugal pela LeYa sai no Brasil
exactamente igual ao que saiu cá, e vice-versa".
A razão, diz Menezes, é que "há quase sempre a
necessidade de se fazer um trabalho de adaptação do texto para os leitores de
Portugal ou do Brasil, para alteração, por exemplo, dos diferentes termos
usados de um e do outro lado do Atlântico". Simetricamente, este
responsável da LeYa também não crê que o AO tenha vindo facilitar a divulgação
de autores brasileiros em Portugal: "O interesse dos leitores depende da
promoção que as editoras fazem, e não de outros factores."
O PÚBLICO não conseguiu ouvir Vasco Teixeira, da Porto
Editora, que inicialmente se opôs ao AO, mas que veio adoptá-lo no seu grupo
editorial já em Março de 2011, argumentando que a polémica deixara de fazer
sentido a partir do momento em que o Governo calendarizara a aplicação do
acordo no sistema de ensino e na administração pública. Mas um dos responsáveis
editoriais do grupo, Manuel Alberto Valente, lembra que a Porto Editora tem
"uma posição especial enquanto editor
a escolar" e "não pode fazer manuais escolares contra o que o Governo determina". Do mesmo modo, teria de regressar à grafia anterior, "se o acordo amanhã fosse revogado".
a escolar" e "não pode fazer manuais escolares contra o que o Governo determina". Do mesmo modo, teria de regressar à grafia anterior, "se o acordo amanhã fosse revogado".
Sem experiência de "autores pretendidos pelo
Brasil" que lhe permitam avaliar o impacto do AO nesse domínio, observa,
no entanto, que "o acordo ortográfico não altera nada em relação aos
problemas de incomunicabilidade", porque eles estão noutro lado e não no
facto de escrevermos ‘acto’ ou ‘ato’".
Se não apostou até hoje no mercado brasileiro, a Porto
Editora tem, no entanto, editoras em Angola e Moçambique, as Plural, que editam
sobretudo livros escolares, e cujos manuais não utilizam o AO, uma vez que
nenhum destes países o ratificou.
"A gente entende"
Num manifesto intitulado "A língua como motor
económico", divulgado em 2012 no âmbito dos Colóquios da Lusofonia,
iniciativa da qual Malaca Casteleiro, principal obreiro do AO pelo lado
português, é assumido patrono, defende-se que "a unificação da ortografia
permite a divulgação do mesmo texto em vários países", o que "não só
facilita o acesso recíproco a todas as literaturas lusófonas", como
"permite a publicação de edições únicas que poderão entrar em vários
mercados livreiros".
Um cenário que a realidade não parece comprovar. E se o
argumento, a ser verdadeiro, poderia seduzir editores portugueses, já o mercado
editorial português não tem dimensão, com acordo ou sem acordo, para se tornar
apetecível aos editores brasileiros. "A gente não pensa muito no mercado
português", diz Ricardo Lelis, da editora Cosac Naify.
Assumindo não ser favorável ao AO — "Achei essa
mudança ruim" —, Lelis não vê que este tenha feito qualquer diferença na
relação com Portugal. "Nos autores portugueses que entram no Brasil, a
grafia não é alterada, porque a gente entende e não tem muito por que
mudar", diz. Foi o que aconteceu, por exemplo, na edição da obra de
Fernando Pessoa pela Companhia das Letras, que assumiu a ortografia usada nas
edições portuguesas da Assírio & Alvim, que até nem corresponde à
ortografia usada pelo próprio Pessoa.
Mas Rui Couceiro, do grupo Porto Editora, chama a atenção
para o facto de ser preciso distinguir entre os meios literários do Brasil, que
"são leitores dos autores clássicos e contemporâneos portugueses", e
a maioria dos brasileiros, que "estão muito menos expostos à oralidade
portuguesa" do que os portugueses à brasileira, por via das telenovelas.
Isso mesmo observa Pedro Bénard da Costa, que trabalha em
legendagem para a Cinemateca. Se "não faz sentido" usar em Portugal
legendas em português do Brasil, observa, o inverso "seria muito pior,
seria o caos". Parecendo-lhe "evidente" que o AO não evita que
se continue a fazer legendas diferentes para os mercados português e brasileiro,
Pedro Bénard da Costa argumenta: "A construção gramatical é completamente
diferente, e há imensas palavras que não têm o mesmo sentido cá e lá."
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