Autoria: Elton Alisson e Fernando Cunha.
Fonte: FAPESP. Data: 21/03/2014.
O Programa Nacional Biblioteca da
Escola (PNBE) possibilitou que as instituições de educação infantil públicas no país passassem a contar, nos últimos 17 anos,
com um acervo de livros com quantidade e qualidade suficientes para a
realização de atividades voltadas a contribuir para a formação de leitores.
As coleções de livros do programa,
instituído pelo Ministério da Educação (MEC) em 1997, não contemplam, no
entanto, as especificidades pedagógicas da primeira infância – de 0 a 3 anos. E
os docentes e responsáveis pelas bibliotecas de creches e berçários públicos
não estão preparados para desenvolver atividades de formação de leitores com as
crianças nessa faixa etária.
As conclusões são da pesquisa
“Literatura e primeira infância: dois municípios em cena e o PNBE (Programa
Nacional Biblioteca da Escola) na formação de crianças leitoras”, realizada no
Departamento de Didática da Faculdade de Ciências e Letras da Universidade
Estadual Paulista (Unesp), campus de Marília, e no Departamento de Educação da
Faculdade de Ciências e Tecnologia da Unesp de Presidente Prudente, com apoio
da FAPESP, no âmbito de um acordo de cooperação com a Fundação Maria Cecília
Souto Vidigal (FMCSV).
Alguns resultados do estudo foram
apresentados no dia 13 de março durante o I Seminário de Pesquisas sobre
Desenvolvimento Infantil, realizado na FAPESP.
“Constatamos que a quantidade e a
qualidade das coleções de livros do PNBE são muito boas, mas estão mais
voltadas para crianças maiores, a partir de 3 anos”, disse Cyntia Graziella
Guizelim Simões Girotto, professora do curso de Pedagogia da Unesp de Marília e
coordenadora do projeto, durante sua palestra no evento.
“Também há um despreparo dos
professores e cuidadores e de toda a equipe das escolas para trabalhar com
essas crianças pequenas não só em atividades relacionadas à formação de leitor,
mas também para compreender as potencialidades das crianças”, afirmou Girotto.
Durante o projeto, os pesquisadores
analisaram o acervo de obras literárias do PNBE voltados à educação infantil.
Uma das principais constatações foi a de que as coleções, compostas por mais de
150 obras, não contemplam as especificidades das crianças abaixo de 3 anos em
termos de projeto gráfico, editorial, estético e literário.
“Não defendemos que seja preciso estabelecer
regras para a literatura infantil, mas há especificidades que não podem ser
desconsideradas nos livros voltados à primeira infância”, afirmou.
“As crianças nessa fase de
desenvolvimento não leem do mesmo modo que uma criança em fase de alfabetização,
tampouco como um leitor maduro. Mas já ensaiam, pelo contato direto com o
livro, o que denominamos de ‘ações embrionárias do ato de ler’, atribuindo
sentidos às ações iniciais dos modos de ler”, disse Girotto à Agência FAPESP.
Práticas de leitura
Os pesquisadores também fizeram um
mapeamento de como as crianças com até 3 anos têm acesso a livros nas
instituições públicas de educação infantil com base em entrevistas com 520
professores, 60 coordenadores pedagógicos e 55 profissionais responsáveis pela
biblioteca de 71 creches e berçários dos municípios de Marília e Presidente
Prudente, no oeste paulista.
Foi constatado que cerca de 80% desse
universo de instituições ainda não utiliza o acervo recebido do PNBE. Em
algumas instituições, as coleções ficam em estantes da biblioteca, armários ou
em caixas perdidas na instituição ou dividem espaço com produtos e materiais de
limpeza.
O pressuposto de que só a quantidade e
a qualidade das obras são condições suficientes para o desenvolvimento de
atividades de formação de leitores na educação infantil não é verdadeiro”,
avaliou Girotto.
De acordo com a pesquisadora, uma das
razões da subutilização dos livros da coleção do PNBE nas instituições
avaliadas é o despreparo da equipe de docentes e responsáveis pelas bibliotecas
para colocar em prática atividades voltadas à formação de leitor na primeira
infância.
Apesar disso, professores,
coordenadores pedagógicos e profissionais responsáveis pelas bibliotecas das
instituições participantes do estudo destacaram, durante as entrevistas
realizadas pelos pesquisadores, que consideram importante o processo de ofertar
e estimular o contato das crianças com o livro. “Mas muitos acreditam que só
contar histórias ou ler em voz alta para as crianças é o suficiente”, disse Girotto.
Segundo a pesquisadora, o mediador de
leitura pode – e deve – ler e contar histórias para as crianças. Mas também é
preciso que a criança seja colocada em contato direto com o livro para
tateá-lo, explorá-lo e imitar os adultos e, dessa forma, iniciar sua formação
como leitor.
Educação literária
A pesquisa deverá resultar em dois
livros com previsão de lançamento no 18º Encontro Nacional de Didática e
Prática de Ensino, que ocorrerá entre 11 e 14 de novembro em Fortaleza, no
Ceará.
O primeiro livro, com o título
provisório “Literatura e Primeira Infância I: da contação de histórias e da
proferição”, discute a criança como ouvinte e a função do mediador.
No segundo livro, também com o título
provisório “Literatura e educação infantil: tateios, experimentação e sentidos
dos livros para/com os pequenos”, os pesquisadores pretendem discutir
abordagens específicas do desenvolvimento infantil e as peculiaridades dos
livros voltados à primeira infância, que devem valorizar a experimentação e
ação direta da criança, ressaltou Girotto.
“Todo o trabalho de formação de leitor na
primeira infância pode ficar a desejar se não existirem livros adequados e não
for feita uma adequada mediação e apresentação das publicações para as
crianças”, estimou a pesquisadora.
“As crianças precisam reconhecer e usar
os livros tal como o adulto ou um leitor autônomo fazem, buscando compreender
as informações em textos verbais ou imagéticos”, indicou.
Por meio do projeto, os pesquisadores
pretendem estabelecer um programa de atividades de leitura com crianças com até
3 anos utilizando o acervo do PNBE e desenvolver uma proposta de formação de
docentes.
Além disso, querem continuar os
trabalhos nas instituições dos dois municípios com avaliações sobre o acesso
aos livros, práticas de leitura literária nas unidades que utilizam o acervo do
PNBE, sobre mediação dos professores e sobre os livros selecionados por eles.
“As instituições de ensino infantil têm
a responsabilidade de propiciar às crianças o contato com obras literárias da
melhor qualidade, respeitando suas especificidades de desenvolvimento e sem
subestimar sua capacidade intelectual”, avaliou.
“Isso não significa antecipar a
alfabetização, mas estabelecer diretrizes para a educação literária, desde a
primeiríssima infância, sem apequenar os potenciais da criança”, afirmou.
O objetivo do seminário na FAPESP foi
divulgar os resultados de dez projetos de pesquisa selecionados na primeira
Chamada de Propostas do Acordo de Cooperação Científica e Tecnológica firmado
entre as duas instituições em 2010 nas áreas de Saúde, Educação, Economia,
Pedagogia, Psicologia e Assistência Social.
Também participaram do seminário os
coordenadores dos 16 novos projetos aprovados na segunda seleção de propostas,
concluída em 2013.
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