Autoria: Jemima Kiss.
Fonte: Outras Palavras. Data:
14/03/2014.
Mais do que simplesmente assinalar um
aniversário, o homem que tornou possível a criação de páginas na Internet e a
navegação entre elas da forma como a conhecemos hoje – o britânico Tim
Berners-Lee – quis aproveitar a atenção do mundo nesta terça-feira [11/3] para
apelar aos cidadãos que lutem por manter a World Wide Web “aberta e neutra”,
por meio da aprovação de uma espécie de Constituição universal que salvaguarde
os direitos de todos os utilizadores.
“Precisamos de uma Constituição universal, de
uma carta de direitos”, disse Berners-Lee ao jornal The Guardian, no dia em que
se assinala o 25.º aniversário do acontecimento que é geralmente associado à
invenção da World Wide Web – quando o britânico enviou aos seus colegas do
Laboratório Europeu de Física de Partículas (CERN, na sigla original) um
documento com um título nada apelativo e pouco antecipador: Gestão de
Informação – Uma Proposta.
Um quarto de século depois, as revelações
sobre os programas de espionagem da Agência de Segurança Nacional (NSA)
norte-americana – além da concentração cada vez maior de informações pessoais
nos servidores de gigantes como a Google ou a Microsoft – levaram Tim
Berners-Lee a alertar para os perigos da distorção da sua ideia inicial de uma
Internet “aberta e neutra”.
“A não ser que tenhamos uma Internet aberta,
neutra, em que possamos confiar sem nos preocuparmos com o que está acontecendo
por trás do pano, não podemos ter um sistema de governança aberto, uma boa
democracia, um bom sistema de saúde, comunidades interligadas e diversidade
cultural”, afirma Berners-Lee. E para quem pensa que o britânico ainda vive no
final da década de 1980, com uma proposta que beira a ingenuidade, a sua
resposta não podia ser mais desafiadora: “Não é ingênuo acreditarmos que isso é
possível; o que é ingênuo é pensarmos que isso nos vai cair no colo.”
A ideia de uma Constituição universal dos
direitos dos utilizadores da Internet – que se integra na iniciativa Web We
Want (A Web que queremos) – surge da constatação de que os direitos de quem acessa
e troca informação através da Internet estão cada vez mais ameaçados.
“Os nossos direitos são cada vez mais
violados, por todos os lados, e o perigo é que nos habituemos a isso. Por isso,
quero aproveitar o 25º aniversário [da World Wide Web] para voltarmos a assumir
o controle da Web, e para definirmos a rede que queremos para os próximos 25
anos”, diz Berners-Lee.
Quase um ano depois das primeiras revelações
feitas a partir dos documentos obtidos pelo analista de informações norte-americano
Edward Snowden (as primeiras notícias, nos sites do The Washington Post e do
The Guardian, foram publicadas a 6 de Junho de 2013), o criador da World Wide
Web volta a dizer que já é tempo de os Estados Unidos perderem parte do enorme
controle que detêm através da Internet Assigned Numbers Authority (IANA, a
maior autoridade na atribuição de endereços IP, localizada no estado da
Califórnia).
“Os EUA não podem ter uma posição global na
gestão de uma coisa que é tão não-nacional. Os tempos atuais são propícios a
essa separação, mas devemos manter uma abordagem inclusiva, uma abordagem em
que governos e empresas possam ser controlados de alguma forma”, defende Tim
Berners-Lee.
O maior desafio, destaca, é a aparente apatia
da população, apesar das revelações dos últimos meses sobre os programas das
agências de espionagem e da informação cada vez mais acessível sobre as
práticas das empresas de tecnologia da informação.
O mais importante é fazer com que as pessoas
lutem pela Web e que consigam perceber o mal que resultaria de uma rede
fraturada. Como qualquer outro sistema humano, a rede precisa de ser policiada
e, é óbvio, precisamos de ter leis nacionais, mas não devemos transformar a Web
numa série de silos nacionais” – daí ser necessário desenhar uma Constituição
universal, defende o britânico.
Ao participar da cerimônia de abertura dos
Jogos Olímpicos de Londres, em 2012, o criador da Worls Wide Web digitou as
palavras this is for everyone [“é para todo mundo”] num computador, no centro
do estádio. Ele mantém-se firmemente ligado aos princípios de abertura,
inclusão e democracia, desde que inventou a web em 1989, optando por não
comercializar o modelo. Para Berners-Lee, a ideia de os cidadãos recuperarem um
pouco do controle da Internet é realista. Além disso, a sensação de que a
submissão da rede a governos e empresas é inevitável não deve prevalecer. “Isso
não vai acontecer enquanto não nos arrancarem os teclados dos nossos dedos
frios e mortos”, diz .
Uma web livre para
todos
Menino que cresceu no sudoeste de Londres,
Tim Berners-Lee foi um usuário de trem, o que despertou seu interesse em
modelos ferroviários e, depois, pela eletrônica. Mas os computadores já eram
conceitos familiares em sua casa. Seus pais trabalharam na criação do primeiro
computador construído para fins comerciais no mundo, o Ferranti Mk1.
Berners-Lee formou-se em Física na
Universidade de Oxford e trabalhou em seguida com engenharia. Mas foi no CERN,
Organização Europeia para Pesquisa Nuclear, em Genebra, que ele embarcou nos
projetos que levariam à criação da world wide web.
Seu objetivo era permitir que os
pesquisadores do mundo todo compartilhassem seus documentos, o que foi julgado
como “vago mas interessante” por um gerente do CERN.
Ele combinou a tecnologia existente — como a
internet e o hipertexto — para produzir um imenso sistema de armazenamento de
documentos interligados. Berners-Lee chamou a novidade de world wide web,
embora seus colaboradores francófonos achassem difícil de pronunciar.
A internet foi aberta a novos usuários pela
primeira vez em 1991, e em 1992 foi o primeiro navegador foi criado para buscar
e selecionar os milhões de documentos já então existentes.
Embora a web tenha sido espaço para a criação
e perda de inúmeras fortunas incontáveis, Berners-Lee e sua equipe garantiram o
uso livre da rede, para todos os interessados.
Berners-Lee colabora hoje com várias
organizações empenhadas em garantir que a web continue acessível a todos e que
o conceito de neutralidade de rede seja respeitado pelos governos e corporações.
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