Fonte: Divirta-se. Data: 12/05/2014.
URL: http://divirta-se.uai.com.br/app/noticia/arte-e-livros/2014/05/12/noticia_arte_e_livros,154551/polemica-da-simplificacao-de-classicos-da-literatura-chega-as-escolas.shtml
Versões adaptadas de Machado de Assis e outros
gênios da literatura pretendem aumentar o contato de jovens com a leitura.
Especialistas se preocupam com “empobrecimento” do texto
Queridos pelos professores, Machado de Assis e José de
Alencar não são autores de cabeceira para a maioria dos alunos. A dificuldade
de entender obras clássicas, seja pela linguagem ou complexidade das tramas,
reaviva o debate sobre o uso de adaptações literárias nas escolas. Embora a
ideia das versões seja incentivar a leitura entre crianças e adolescentes,
especialistas se preocupam com o empobrecimento dos textos.
Na semana passada foi alvo de críticas o projeto da
escritora Patrícia Engel Secco, que teve apoio da Lei de Incentivo à Cultura
para adaptar obras de Machado de Assis para uma linguagem atual. Um dos
exemplos, que acirrou ânimos nas redes sociais, foi a troca da palavra
“sagacidade” por “esperteza”, de compreensão mais fácil. A polêmica, entretanto,
não é novidade nas escolas.
Iuri Pereira, professor de Literatura do Colégio Equipe,
em Higienópolis, na região central de São Paulo, é contrário às adaptações.
“Geralmente a mudança reduz, simplifica a obra”, diz. “E o mais difícil de
Machado, por exemplo, não é a linguagem, mas os temas, que são próprios da
maturidade.” Segundo ele, uma estratégia para abordá-lo com os mais novos é
usar textos menores, como os contos.
Para a aluna do 3º ano do Equipe Marina Klautau, a
aversão aos livros clássicos está ligada às exigências do vestibular. “Muitos
colegas acabam mais preocupados em buscar análises sobre o livro do que em ler.
Eles se concentram no que é cobrado na prova”, lamenta ela, de 16 anos. “A
leitura é tratada como obrigação.”
Outra barreira nos originais, segundo Marina, é o
vocabulário. “Para algumas palavras, tenho de procurar o significado. Mas isso
não faz com que eu perca o interesse nos livros. Geralmente as pessoas se
desmotivam pelas dificuldades de entender a linguagem”, relata.
Evolução
A visita constante ao dicionário, no entanto, pode ser
proveitosa. É o que garante Pedro Souza, aluno do 9º ano do ensino fundamental
da escola bilíngue Stance Dual, na Bela Vista região central de São Paulo. “Às
vezes uma palavra desconhecida prejudica o ritmo de leitura, mas é bom para
melhorar o vocabulário. Isso você não tem no livro adaptado”, diz o
adolescente, de 14 anos.
Incentivado pelos pais professores, Pedro já se aventurou
além dos tradicionais Machado de Assis e Monteiro Lobato e buscou até clássicos
estrangeiros. Entre os colegas, porém, o gosto pelas bibliotecas não é o mesmo
e a maioria prefere versões mais simples. “Muitos na turma reclamam de textos
longos”, diz. “Buscam na internet resumos e até aplicativos que fazem a leitura
do livro em voz alta.”
A cobrança, afirma o professor de Língua Portuguesa André
Oliveira, deve seguir o nível de maturidade da classe. “Depende da idade do
aluno, que deve ter repertório para entender a obra” alerta ele, que dá aulas
no Colégio Ofélia Fonseca, em Higienópolis, no centro. Segundo Oliveira, o
cuidado é escolher adaptações que não descaracterizem os originais. “Uma boa
versão em quadrinhos, por exemplo, serve como estímulo para ler o clássico.”
Risco de simplificar literatura é subestimar leitores
O uso de adaptações na escola serve para aproximar o
texto clássico da realidade do aluno. O risco, de acordo com professores, é
subestimar a capacidade do jovem de desbravar trama ou linguagem mais complexa.
João Luís Ceccantini, professor de Literatura da Universidade
Estadual Paulista (Unesp), é favorável a adaptar textos antigos, como os da
Idade Média ou de antes de Cristo. “Já para obras mais recentes, como as do
próprio Machado de Assis, eu resisto”, afirma. “Esse texto está próximo de nós,
do ponto de vista literário e linguístico”, afirma.
Outro argumento de Ceccantini é que a possibilidade de
adaptação depende do tipo da obra. Para alguns clássicos, por exemplo, as
adaptações permitem que os alunos conheçam a trama central, o que ajuda na
construção do repertório. “Já no caso do Machado, as histórias são banais. A
graça está em como é construída a narrativa.”
O escritor de livros infanto-juvenis Cláudio Fragata
explica que a adaptação bem feita exige um entendimento cuidadoso da obra e do
público-alvo. “Tento buscar um viés que interessa ao jovem de hoje para
conduzir a narrativa”, diz ele, que já adaptou obras de autores estrangeiros,
como o francês Júlio Verne. “O texto original, para quem não está acostumado, é
chato”, diz. “A adaptação ajuda a criar a prática de leitura.”
Dificuldades
Vera Bastazin, coordenadora do Programa de Pós-graduação
em Literatura e Crítica Literária da Pontifícia Universidade Católica (PUC-SP),
diz acreditar que o uso excessivo de versões revela a falta de intimidade dos
professores com os clássicos. “A adaptação, muitas vezes, não é para o aluno,
mas para quem dá aulas. A maioria dos professores não tem preparo e hábito de
leitura”, alerta.
Outro problema, segundo ela, é que há muitos projetos de
governo que usam as adaptações com visão simplista. “Ao reduzir o tamanho e
facilitar a obra, entende-se que todo mundo vai gostar de ler. Isso é uma
ilusão.”
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