Fonte: Revista
FAPESP, n. 227, Janeiro de 2015.
Autoria: Carlos Fioravanti.
Publicações especializadas em ciência começaram a circular há 350 anos
na França e Inglaterra
Um boletim de 12 páginas com o título de Journal des Sçavans chegou
às mãos dos moradores de Paris no dia 5 de janeiro de 1665. Dois meses depois,
em 6 de março, saía em Londres o primeiro número da Philosophical
Transactions. Eram as primeiras revistas científicas da Europa – mais tarde
chamadas genericamente de journals –, que desde então sofreram numerosas
mudanças para se adequar às circunstâncias, ao tempo e às transformações da
ciência. As duas circulam até hoje.
O primeiro número de Le Journal des Sçavans, com oito itens, dos
quais sete eram resenhas de livros, foi publicado quase dois anos antes da
fundação da Academia Real de Ciências da França. Depois chamada Journal des
Savants (savant significa estudioso ou sábio), a revista oferecia
notícias sobre avanços da ciência – a exemplo da primeira transfusão de sangue
na França, em 1667 – e das artes, decisões do governo e da Igreja, resenhas de
livros e obituários, entre outros tópicos. Seu primeiro editor foi Denis de
Sallo, conselheiro do Parlamento de Paris, advogado, escritor e homem de
confiança de Jean-Baptiste Colbert, ministro das Finanças do rei Luís XIV.
Le Journal des Savants viveu com o patrocínio real até
1701, parou de circular em 1792 – durante a Revolução Francesa (1789-99) – e
foi retomado e reorganizado em 1816, centrando-se em literatura. A revista foi
mantida com recursos do governo federal e depois do Instituto de França, que
reúne as principais instituições acadêmicas francesas. Uma das integrantes do
instituto, a Académie des Inscriptions et Belles-Lettres, assumiu a publicação
a partir de 1909. Nesse mesmo ano a revista publicou um relato do geógrafo
francês Paul Vidal de La Blache, mencionando as regiões montanhosas do sul do
Brasil. Inicialmente semanal, o periódico é semestral desde 1992.
A inglesa Philosophical Transactions, desde o início maior e mais
abrangente que a similar francesa, depois também mudou de nome para Philosophical
Transactions of the Royal Society. O uso da palavra Philosophical se
refere a natural philosophy (filosofia da natureza), o equivalente ao
que depois se tornaria conhecido como ciência. Portanto, o título poderia ser
traduzido livremente, hoje, como transactions of science ou “operações
de ciência”. O primeiro número – de 16 páginas e 11 itens, entre eles relatos
sobre lentes, anéis de Júpiter, um minério de chumbo da Alemanha, um bezerro
deformado e o uso de relógios de pêndulos para determinar a longitude no mar –
foi editado por Henry Oldenburg, primeiro secretário da Royal Society, criada
quatro anos antes. Diplomata e filósofo, Odenburg iniciou a prática da revisão
por pares (peer review), enviando um artigo para análise de
especialistas antes de publicá-lo.
Desde o início com periodicidade mensal, a revista se propunha a
registrar, certificar (por meio da revisão por pares), disseminar e arquivar os
avanços da ciência. O plano editorial deu certo, e o periódico publicou alguns
trabalhos fundamentais para a ciência, como a teoria de Isaac Newton sobre a
luz e as cores, em 1672. Os trabalhos de outros cientistas ingleses
importantes, como Robert Boyle, James Clerk Maxwell, Charles Darwin e, mais
recentemente, Stephen Hawking, também saíram na Philosophical Transactions.
Em 1887 a revista cresceu e foi dividida em duas. A primeira trata das ciências
físicas, a Philosophical Transactions of the Royal Society A: Physical,
Mathematical and Engineering Sciences; a segunda, das biológicas, Philosophical
Transactions of the Royal Society B: Biological Sciences.
A revista mais antiga da Royal Society publicava as cartas entre os
membros da associação ou a eles encaminhadas. O primeiro relato sobre o Brasil
foi uma carta, com a data de 1º de janeiro de 1731. Tinha sido escrito por
Jacob de Castro Sarmento, médico judeu português que havia se refugiado em
Londres, para o então secretário da Royal Society, Cromwell Mortimer,
descrevendo os diamantes encontrados em Serro do Frio, em Minas Gerais. Uma
exposição aberta em dezembro de 2014, em cartaz até junho de 2015, é uma das
atividades promovidas pela Royal Society para marcar os 350 anos da revista.
URL do artigo: http://revistapesquisa.fapesp.br/2015/01/19/os-primeiros-journals/
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