STF
afasta exigência prévia de autorização para biografias. Por unanimidade, o
Plenário do Supremo Tribunal Federal julgou procedente a Ação Direta de
Inconstitucionalidade (ADI) 4815 e declarou inexigível a autorização prévia para
a publicação de biografias. Seguindo o voto da relatora, ministra Cármen Lúcia, a decisão dá
interpretação conforme a Constituição da República aos artigos 20 e 21 do Código
Civil, em consonância com os direitos fundamentais à liberdade de expressão da
atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente
de censura ou licença de pessoa biografada, relativamente a obras biográficas
literárias ou audiovisuais (ou de seus familiares, em caso de pessoas
falecidas). Na ADI 4815, a Associação Nacional dos Editores de Livros (ANEL)
sustentava que os artigos 20 e 21 do Código Civil conteriam regras incompatíveis
com a liberdade de expressão e de informação. O tema foi objeto de audiência
pública convocada pela relatora em novembro de 2013, com a participação de 17
expositores. Confira, abaixo, os principais pontos dos votos proferidos. Relatora: A ministra Cármen Lúcia
destacou que a Constituição prevê, nos casos de violação da privacidade, da
intimidade, da honra e da imagem, a reparação indenizatória, e proíbe “toda e
qualquer censura de natureza política, ideológica e artística”. Assim, uma regra
infraconstitucional (o Código Civil) não pode abolir o direito de expressão e
criação de obras literárias. “Não é proibindo, recolhendo obras ou impedindo sua
circulação, calando-se a palavra e amordaçando a história que se consegue
cumprir a Constituição”, afirmou. “A norma infraconstitucional não pode
amesquinhar preceitos constitucionais, impondo restrições ao exercício de
liberdades”. Ministro Luís Roberto
Barroso: O ministro destacou que o caso envolve uma tensão entre a
liberdade de expressão e o direito à informação, de um lado, e os direitos da
personalidade (privacidade, imagem e honra), do outro – e, no caso, o Código
Civil ponderou essa tensão em desfavor da liberdade de expressão, que tem
posição preferencial dentro do sistema constitucional. Essa posição decorre
tanto do texto constitucional como pelo histórico brasileiro de censura a
jornais, revistas e obras artísticas, que perdurou até a última ditadura
militar. Barroso ressaltou, porém, que os direitos do biografado não ficarão
desprotegidos: qualquer sanção pelo uso abusivo da liberdade de expressão deverá
dar preferência aos mecanismos de reparação a posteriori, como a
retificação, o direito de resposta, a indenização e até mesmo, em último caso, a
responsabilização penal. (Leia a íntegra do voto do ministro
Luís Roberto Barroso.).
Ministra Rosa Weber: A ministra
Rosa Weber manifestou seu entendimento de que controlar as biografias implica
tentar controlar ou apagar a história, e a autorização prévia constitui uma
forma de censura, incompatível com o estado democrático de direito. “A biografia
é sempre uma versão, e sobre uma vida pode haver várias versões”, afirmou,
citando depoimento da audiência pública sobre o tema. Ministro Luiz Fux: O ministro destacou
que a notoriedade do biografado é adquirida pela comunhão de sentimentos
públicos de admiração e enaltecimento do trabalho, constituindo um fato
histórico que revela a importância de informar e ser informado. Em seu
entendimento, são poucas as pessoas biografadas, e, na medida em que cresce a
notoriedade, reduz-se a esfera da privacidade da pessoa. No caso das biografias,
é necessária uma proteção intensa à liberdade de informação, como direito
fundamental. Ministro Dias Toffoli:
Para o ministro, obrigar uma pessoa a obter previamente autorização para
lançar uma obra pode levar à obstrução de estudo e análise de História. “A Corte
está afastando a ideia de censura, que, no Estado Democrático de Direito, é
inaceitável”, afirmou. O ministro ponderou, no entanto, que a decisão tomada no
julgamento não autoriza o pleno uso da imagem das pessoas de maneira absoluta
por quem quer que seja. “Há a possibilidade, sim, de intervenção judicial no que
diz respeito aos abusos, às inverdades manifestas, aos prejuízos que ocorram a
uma dada pessoa”, assinalou. Ministro
Gilmar Mendes: Segundo o ministro, fazer com que a publicação de
biografia dependa de prévia autorização traz sério dano para a liberdade de
comunicação. Ele destacou também a necessidade de se assentar, caso o biografado
entenda que seus direitos foram violados publicação de obra não autorizadas, a
reparação poderá ser efetivada de outras formas além da indenização, tais como a
publicação de ressalva ou nova edição com correção. Ministro Marco Aurélio: O ministro
destacou que há, nas gerações atuais, interesse na preservação da memória do
país. “E biografia, em última análise, quer dizer memória”, assinalou.
“Biografia, independentemente de autorização, é memória do país. É algo que
direciona a busca de dias melhores nessa sofrida República”, afirmou. Por fim, o
ministro salientou que, havendo conflito entre o interesse individual e o
coletivo, deve-se dar primazia ao segundo. Ministro Celso de Mello: O decano do
STF afirmou que a garantia fundamental da liberdade de expressão é um direito
contramajoritário, ou seja, o fato de uma ideia ser considerada errada por
particulares ou pelas autoridades públicas não é argumento bastante para que sua
veiculação seja condicionada à prévia autorização. O ministro assinalou que a
Constituição Federal veda qualquer censura de natureza política, ideológica ou
artística. Mas ressaltou que a incitação ao ódio público contra qualquer pessoa,
grupo social ou confessional não está protegida pela cláusula constitucional que
assegura a liberdade de expressão. “Não devemos retroceder nesse processo de
conquista das liberdades democráticas. O peso da censura, ninguém o suporta”,
afirmou o ministro. Ministro Ricardo
Lewandowski: O presidente do STF afirmou que o Tribunal vive um momento
histórico ao reafirmar a tese de que não é possível que haja censura ou se exija
autorização prévia para a produção e publicação de biografias. O ministro
observou que a regra estabelecida com o julgamento é de que a censura prévia
está afastada, com plena liberdade de expressão artística, científica, histórica
e literária, desde que não se ofendam os direitos constitucionais dos
biografados.
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