Marcelo
de Luca Marzochi
São
muitos os desafios ao setor livreiro neste início de século. Há questões que
pesam mais ainda para o pequeno empreendedor, como a tributação.
Todos
os anos, nos levantamentos de dados sobre o setor, se verifica a falta de livrarias
na maior parte do País, com concentração nas grandes cidades do centro-sul. Os
pequenos empreendedores sofrem com a concorrência de grandes grupos econômicos,
na maior parte estrangeiros, que se utilizam do poder financeiro aliado ao
menor custo do comércio eletrônico para ganhar terreno e fidelizar clientela.
E
sempre se verifica também que são os pequenos e independentes empreendedores
que garantem a oxigenação do setor com inovação e variedade de publicações.
O
setor livreiro é estratégico para o País pois trata da geração e circulação de
conhecimento. Tanto é verdade que o livro é protegido constitucionalmente com
imunidade tributária na sua produção. É um mercado específico, com regras e
funcionamento próprios, que não pode ficar sem regulamentação e aos caprichos
de um mercado dominado por grandes grupos econômicos.
Não
se pode comparar o livro a qualquer outra commoditie, pois é um bem específico,
com mercado restrito e, por essa razão, com margens de lucro limitadas,
principalmente ao pequeno empreendedor.
Cláudia
Neves Nardon explica as dificuldades do livreiro:
‘As
livrarias possuem custos elevados de instalação e manutenção,
proporcionalmente, até maiores que os das editoras. Precisam estar localizadas
em locais de visibilidade para que sejam encontradas pelos leitores. Esses
pontos de vendas – ruas movimentadas, shoppings – têm alto custo. Além dos
gastos com a instalação, o livreiro tem que assumir o risco da escolha de seu
estoque, a incerteza de que os títulos selecionados encontrarão comprador.
Quando o livreiro adquire seu estoque em consignação, o risco fica com o
editor, mas, quando não, o financiamento dos estoques é fundamental, tendo em
vista que o livreiro, se pagar pelos livros que exibe, tanto pode vendê-los
rapidamente, realizar novas compras e beneficiar-se de um círculo virtuoso,
A
dificuldade que as livrarias encontram para se manter como negócio viável tem
aumentado muito com a chegada dos conglomerados e das megalivrarias. Esse tipo
de grande empresa, em razão das compras de substancial volume que efetua,
consegue um preço mais baixo das editoras, vantagem que é repassada ao
consumidor na forma de atraentes descontos. As condições e o menor volume de
compras e vendas das livrarias pequenas tornam impossível oferecer aos consumidores
as mesmas vantagens oferecidas pelas empresas de maior porte, o que torna
inviável a competição entre pequenas e grandes livrarias.
Há
um movimento em curso, no Brasil, em favor do preço fixo do livro – congelado
por determinado período a partir do lançamento – como forma de uniformizar as
condições de vendas e permitir, assim, a sobrevivência das pequenas empresas do
ramo. Embora a supressão de descontos seja medida de valor questionável quando
se pensa em fomento ao consumo do livro, a política de preço fixo de capa,
adotada em diversos países, pode garantir a manutenção e a criação de múltiplas
livrarias pelo País, o que facilitaria sobremaneira a distribuição dos livros e
garantiria a diversidade bibliográfica
Embora
existam em número insuficiente, as livrarias ainda são as maiores fornecedoras
de livros para os interessados nesse tipo de produto. Na pesquisa Retratos da
Leitura no Brasil, dos canais de comercialização identificados, as livrarias
foram as mais citadas como local onde os leitores costumam comprar livros.2
A
primeira referência que se tem ao livro na legislação é o art. 150, inciso VI,
alínea d, da Constituição Federal, que estabelece a proibição de se instituir
impostos sobre livros, jornais, periódicos e o papel destinado à impressão.
Apesar de toda a evolução tecnológica, a internet e o livro eletrônico, a interpretação do dispositivo nos tribunais se limita ao entendimento de 25 anos atrás, quando da edição da Constituição Federal: a proteção da publicação e do papel para impressão dela. Como se vê abaixo, em alguns julgados recentes do Supremo Tribunal Federal, a discussão na jurisprudência se limita a isso:
Apesar de toda a evolução tecnológica, a internet e o livro eletrônico, a interpretação do dispositivo nos tribunais se limita ao entendimento de 25 anos atrás, quando da edição da Constituição Federal: a proteção da publicação e do papel para impressão dela. Como se vê abaixo, em alguns julgados recentes do Supremo Tribunal Federal, a discussão na jurisprudência se limita a isso:
A
imunidade prevista no art. 150, inciso VI, alínea d, da Constituição Federal,
abrange os filmes e papéis fotográficos necessários à publicação de jornais e
periódicos. (Súmula nº 657.)
[...].
A imunidade tributária relativa a livros, jornais e periódicos é ampla, total,
apanhando produto, maquinário e insumos. A referência, no preceito, a papel é
exemplificativa, e não exaustiva. (RE nº 202.149-RS, Primeira Turma, Rel. Min.
Menezes Direito, Rel. p/ acórdão Min. MARCO AURÉLIO, DJe 11.10.11.) Em sentido
contrário: RE nº 324.600 AgR-SP, Primeira Turma, Rel.ª Min.ª Ellen Gracie, DJ
25.10.02. Vide: RE nº 178.863-SP, Segunda Turma, Rel. Min. Carlos Velloso, DJ
30.05.97.
A
imunidade tributária prevista no art. 150, inciso VI, alínea d, da Constituição
Federal não abrange os serviços prestados por empresas que fazem a
distribuição, o transporte ou a entrega de livros, jornais, periódicos e do
papel destinado a sua impressão. Precedentes. O STF possui entendimento no
sentido de que a imunidade em discussão deve ser interpretada restritivamente.
(RE nº 530.121 AgR-PR, Primeira Turma, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, DJe
29.03.11.) No mesmo sentido: RE nº 630.462 AgR-PR, Segunda Turma, Rel. Min.
Ayres Britto, DJe 07.03.12; e RE nº 206.774-RS, Primeira Turma, Rel. Min. Ilmar
Galvão, DJ 29.10.99.
Além
da Constituição Federal, a única norma que trata do livro é a Lei nº 10.753/03,
que dispõe sobre a Política Nacional do Livro. Não há mais nenhuma legislação
que regulamente o setor.
Determina
a Lei nº 10.753/03:
Art.
1º Esta Lei institui a Política Nacional do Livro, mediante as seguintes
diretrizes:
I –
assegurar ao cidadão o pleno exercício do direito de acesso e uso do livro;
II –
o livro é o meio principal e insubstituível da difusão da cultura e transmissão
do conhecimento, do fomento à pesquisa social e científica, da conservação do
patrimônio nacional, da transformação e aperfeiçoamento social e da melhoria da
qualidade de vida;
III
– fomentar e apoiar a produção, a edição, a difusão, a distribuição e a
comercialização do livro;
IV –
estimular a produção intelectual dos escritores e autores brasileiros, tanto de
obras científicas como culturais;
V –
promover e incentivar o hábito da leitura;
VI –
propiciar os meios para fazer do Brasil um grande centro editorial;
VII
– competir no mercado internacional de livros, ampliando a exportação de livros
nacionais;
VIII
– apoiar a livre circulação do livro no País;
IX –
capacitar a população para o uso do livro como fator fundamental para seu
progresso econômico, político, social e promover a justa distribuição do saber
e da renda;
X –
instalar e ampliar no País livrarias, bibliotecas e pontos de venda de livro;
XI –
propiciar aos autores, editores, distribuidores e livreiros as condições
necessárias ao cumprimento do disposto nesta Lei;
XII
– assegurar às pessoas com deficiência visual o acesso à leitura.
[...].
Art.
7º O Poder Executivo estabelecerá formas de financiamento para as editoras e
para o sistema de distribuição de livro, por meio de criação de linhas de
crédito específicas.
Parágrafo
único. Cabe, ainda, ao Poder Executivo implementar programas anuais para
manutenção e atualização do acervo de bibliotecas públicas, universitárias e
escolares, incluídas obras em Sistema Braille.
Art.
8º As pessoas jurídicas que exerçam as atividades descritas nos incisos II a IV
do art. 5º poderão constituir provisão para perda de estoques, calculada no
último dia de cada período de apuração do imposto de renda e da contribuição
social sobre o lucro líquido, correspondente a 1/3 (um terço) do valor do
estoque existente naquela data, na forma que dispuser o regulamento, inclusive
em relação ao tratamento contábil e fiscal a ser dispensado às reversões dessa
provisão. (Redação dada pela Lei nº 10.833/03.)
Art.
9º A provisão referida no art. 8º será dedutível para fins de determinação do
lucro real e da base de cálculo da contribuição social sobre o lucro líquido.
(Redação dada pela Lei nº 10.833/03.)
[…].
Art.
16. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios consignarão, em
seus respectivos orçamentos, verbas às bibliotecas para sua manutenção e
aquisição de livros.
Como
se vê, esta é uma Lei ignorada. Nem União, Estados e Municípios cumprem o que
está disposto nela. Como se fomenta o desenvolvimento do setor? Com incentivo e
desoneração. Não é o que ocorre. Bibliotecas são abandonadas e não há qualquer
incentivo para o setor.
No
caso de microempresa que participa do Regime Especial Unificado de Arrecadação
de Tributos e Contribuições devidos pelas Microempresas e Empresas de Pequeno
Porte (Simples Nacional), o qual é definido pela Lei Complementar nº 123/06, dispõe
a norma, em seu art. 13, que o Simples Nacional implica o recolhimento mensal,
mediante documento único de arrecadação, dos seguintes impostos e
contribuições: Imposto de Renda Pessoa Jurídica (IRPJ); Imposto sobre Produtos
Industrializados (IPI); Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL);
Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins); Contribuição
para o PIS/Pasep; Contribuição Patronal Previdenciária (CPP); Imposto sobre
Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e Sobre Prestações de Serviços
de Transporte Interestadual e Intermunicipal de Comunicação (ICMS) e Imposto
sobre serviços de qualquer natureza (ISS). E esse recolhimento não exclui a
incidência de impostos ou contribuições devidos na qualidade de contribuinte ou
responsável tributário. Determina ainda, o art. 18 da Lei Complementar nº
123/06, que o valor devido pela microempresa e empresa de pequeno porte
comercial é calculado nos termos do Anexo I, tendo como base de cálculo a
receita bruta dos doze meses anteriores à apuração.
Os
arts. 8º e 9º da Lei nº 10.753/03 trazem um benefício tributário que permite a
dedução com perda de estoque na determinação do lucro real e na base de cálculo
da CSLL. De que adianta tal benefício se, pelo Simples Nacional, a alíquota é
fixa?
O
problema do Simples Nacional é equiparar um setor específico, como o livreiro,
ao comércio comum. Vender livros não é o mesmo que vender roupas, sapatos,
alimentos. E mesmo um sistema simplificado de tributação ainda onera
excessivamente o pequeno empreendedor, por se tratar de um mercado restrito e
com pouca margem de lucro e negociação.
Outro
ponto importante que deve ser pensado é a importância da livraria no espaço
urbano. Como um ponto de cultura, de circulação do conhecimento, a livraria valoriza
o espaço público, tornando-se lugar de convivência e evitando a degradação e
decadência da área em que se encontra. É um serviço ambiental fundamental para
a cidade. É um exemplo de propriedade que realiza sua função social, como
determina a Constituição, colaborando assim com o direito à cidade sustentável,
conforme dispõe o art. 2º do Estatuto da Cidade (Lei nº 10.257/01).
sse
quadro só pode melhorar com uma efetiva mudança na legislação, sendo pensada
uma tributação que respeite as especificidades do setor, e também uma Política
Nacional do Livro que saia do papel, com fomento e apoio da produção à
comercialização.
Importante
lembrar que a Constituição Federal estabelece em, seu art. 1º, como fundamento
da República Federativa do Brasil, os valores sociais do trabalho e da livre
iniciativa, sendo livre o exercício de qualquer trabalho, conforme determina o
art. 5º, inciso XIII. Quando a tributação inviabiliza a atividade, ela tem
efeito de confisco, o que é proibido pelo art. 150, inciso IV, do texto
constitucional.
É
necessária a mudança da legislação federal, para que seja elaborada uma lei
tributária adequada e específica para o setor. Não pode o livro ficar agrupado
ao comércio comum. Importante também que se cumpra efetivamente a Política
Nacional do Livro, regulamentando-se o que determina a Lei, com apoio e fomento
da produção à comercialização do livro.
As
diretrizes da Política Nacional do Livro obrigam o Poder Público. União,
Estados, Distrito Federal e Municípios devem cumprir a Lei, realizando as
mudanças na legislação que se fizerem necessárias. Medidas que poderiam ser
implementadas, por exemplo, é dar preferência aos fornecedores locais na
aquisição de livros para manutenção das bibliotecas municipais, a redução de
impostos (ISS e IPTU), ou ainda o pagamento pelo serviço ambiental prestado,
como forma de fomento e apoio à atividade.
NOTAS
2
NARDON, Cláudia Neves. O preço do livro no Brasil. Biblioteca Digital da Câmara
dos Deputados, 2010. Disponível em: <http://bd.camara.gov.br/bd/bitstream/handle/bdcamara/6824/preco_livro_nardon.pdf>.
Acesso em: 13.08.13.
*
Advogado e Especialista em Direito Público pela Universidade de Taubaté
(UNITAU)
Publicado
originalmente na revista Consulex
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