Autoria: Paulo
Briguet.
Fonte: Bonde
Briguet. Data: 6/07/2016.
Nesta semana, quando eu passar pela
biblioteca municipal para devolver os dois livros que tomei de empréstimo dias
atrás — "A Cartuxa de Parma" e "Fogo Morto" —, alguma coisa
terá mudado. À primeira vista, vai parecer tudo igual: a simpatia dos
funcionários, a escadaria que conduz ao segundo pavimento, o vitral colorido,
as placas de bronze, as prateleiras tão conhecidas, o silêncio dos leitores.
Não haverá transformações na sala em que as pessoas ficam lendo os jornais do
dia e as revistas da semana. Tampouco se verá mudança na Sala Londrina, nem no
chora-paulista, nem na antiga mesa de reuniões do prefeito, nem nas três
bandeiras da sacada, nem nas árvores do bosque vizinho, nem nas mesas de xadrez
da calçada (em que há muitos anos eu vi Estélio Feldman, com seus óculos de
grossas lentes, concentradíssimo em uma partida). A Biblioteca Pública
Municipal em tudo parecerá o mesmo lugar de sempre: um pedaço do coração de
Londrina, que antigamente sediou o Fórum e, mais antigamente ainda, era o palco
das partidas de tênis entre os funcionários escoceses da Companhia de Terras
Norte do Paraná.
Na hora de devolver os livros, eu
irei até o balcão de empréstimos e só então perceberei o que mudou: a
bibliotecária Malu não está mais lá. Na sexta-feira, dia 1º de julho, depois de
quase 30 anos atendendo com simpatia e eficiência aos leitores da biblioteca,
Malu Zoraya Iaquinto aposentou-se. Todas as semanas ela me recebia com um
sorriso e um comentário gentil. Nos últimos anos, perguntava sempre pelo Pedro;
conhece-o por fotos desde bebezinho. E nunca deixava de se espantar: "Como
seu filho está grande e bonito, Paulo!"
Com a aposentadoria, Malu vai ter
mais tempo para viajar e curtir a família. Mas confesso que a notícia me pegou
de surpresa. Malu aparentava ser muito nova, uma daquelas pessoas que ao longo
dos anos parecem ter sempre a mesma idade. É por isso que para mim ela
continuará sendo sempre a moça da biblioteca.
Na primeira vez em que pus os pés na
biblioteca de Londrina, tinha apenas 18 anos e 68 quilos. Meus cabelos não
possuíam entradas nem vestígios de neve. Entrei um jovem revolucionário e saio
hoje um velho conservador, que neste domingo estará mais perto dos 50 do que
dos 40. Talvez tenha aprendido um pouco com os livros do acervo, mas continuo
cheio de dúvidas, angústias e perplexidades. Quanto mais leio, mais me sinto
ignorante e pequeno.
Os funcionários da biblioteca são
todos competentes e gentis. Ao longo destes 27 anos, nunca tive razões para me
queixar de nenhum deles. Se andei emprestando uns livros ruins, a culpa é
exclusivamente minha. No entanto, vai ficar faltando um detalhe nas minhas
visitas semanais ao velho prédio. Tenho a impressão de que Deus escolhe muito
bem as pessoas que encontramos ao longo do caminho, e a bibliotecária Malu era
uma delas.
Obrigado, Malu, por ajudar a escrever
a história de minha vida. A amizade é um livro que não precisamos devolver.
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