Autoria: BEATRIZ
MORRONE E FLÁVIA YURI OSHIMA.
Fonte: Época. Data: 4/08/2016.
A lei determina que cada escola do país tenha uma biblioteca. Apenas 37%
delas cumprem essa exigência. São Paulo tem hoje menos bibliotecas do que tinha
há quatro anos
O romance O menino do pijama listrado, de John Boyne, despertou a
paixão de Sidineia
Chagas, de 25 anos, pela leitura, quando ela cursava, em 2007,
o 1º ano do ensino médio na Escola Estadual Professora Renata Menezes dos
Santos. Sidineia mora em Parelheiros, região do extremo sul de São Paulo que
lidera rankings de violência e de baixo desenvolvimento humano.
O encontro entre Sidineia e a história de Boyne
ocorreu quando cada aluno de sua classe recebeu uma caixa com quatro livros. O
mesmo encanto com os títulos não aconteceu com boa parte de seus colegas. “Quando a aula
acabou, muita gente rasgou os livros”, diz ela. Sidineia viu
páginas virar dobraduras ou munição para guerra de bolinhas de papel.
A atitude dos jovens foi um reflexo do descaso com
que a própria escola tratava a leitura. Sidineia afirma que as obras foram
apresentadas aos alunos sem o respaldo de qualquer atividade pedagógica que
destacasse a relevância delas. Além disso, a biblioteca do colégio nunca atraiu
frequentadores. Quase sempre fechado, o espaço funcionava mais como um depósito
de livros do que como um ambiente de incentivo ao hábito de ler.
O mesmo ocorria nas demais escolas da região de Parelheiros.
Essa realidade precária inspirou Sidineia e outros
30 jovens a criar um espaço de leitura que pudessem frequentar à vontade. Nos
fundos do Cemitério do Colônia, uma pequena casa antes abandonada abriga a Biblioteca
Comunitária Caminhos da Leitura, fundada em 2009, em parceria
com uma ONG, o Instituto Brasileiro de Estudos e Apoio Comunitário (Ibeac). “O objetivo foi
criar um lugar que, além de emprestar livros, fosse um ponto de encontro para a
comunidade”, diz Sidineia. Com a ajuda de instituições públicas
e privadas, hoje a biblioteca conta com um acervo de 4 mil exemplares.
Iniciativas como a de Parelheiros surgem para tapar
buracos deixados pelas políticas educacionais do estado. Uma lei sancionada
em 2010 determina que, até 2020, todas as escolas do Brasil tenham uma
biblioteca. Os números, porém, mostram que a obrigatoriedade
não será cumprida dentro do prazo – se é que ela será cumprida algum dia. O
Censo Escolar de 2015 mostra que somente 37% das escolas públicas e privadas de
educação básica (entre a educação infantil e o fim do ensino médio) têm
biblioteca. Para que a meta seja alcançada, 84 bibliotecas teriam de ser
abertas diariamente, a partir desta semana e pelos próximos 1.389 dias.
Esses números mostram apenas um dos aspectos de
como o incentivo à leitura é negligenciado na educação brasileira. As poucas
bibliotecas existentes na rede pública costumam funcionar de forma muito
deficiente. Entre 11 escolas escolhidas aleatoriamente na
cidade de São Paulo, apenas duas bibliotecas funcionam em período integral e
três ficam abertas eventualmente. Em seis escolas, alunos não têm livre acesso
ao espaço onde ficam os livros. “A sala fica fechada. Os estudantes só podem entrar quando acompanhados
por um professor”, afirma o funcionário de uma das escolas, que
não quis ser identificado. O motivo mais comum ao acesso restrito é a falta de
um supervisor no local.
Isso não ocorreria se a lei fosse respeitada. As bibliotecas
escolares devem contar com a presença de um bibliotecário preparado para
organizar, abastecer e gerenciar o acervo. Na contramão do
que diz a lei, a rede estadual de ensino de São Paulo passou a substituir, em
2009, a instalação de bibliotecas por salas de leitura. Diferentemente
das bibliotecas, essas salas são espaços informais, com acervo diminuto, sem
preocupação com iluminação ou organização apropriada para atividades
relacionadas ao estudo e à leitura. Outra diferença fundamental da sala de
leitura é que ela dispensa a presença de um profissional preparado para receber
os alunos. “Um dos papéis do bibliotecário é sugerir ações pedagógicas que
tornem a biblioteca um espaço convidativo para os alunos”, diz Maria Aparecida
Lamas, educadora especializada em formação de leitores.
Em 2012, 13% das escolas estaduais paulistas tinham
bibliotecas. Salas de leitura estavam presentes em 75,4% delas. Em 2015, o número
de escolas com bibliotecas caiu para 7,4%, enquanto o de salas de leitura
aumentou para 78%. Nesse mesmo período, não houve expansão da
rede de bibliotecas entre as escolas municipais. (...)
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