Autoria: Jesús Ruiz Mantilla
e Tommaso Koch.
Fonte: El País
(Madrid). Data: 01/01/2017.
No ano de 1936, a Espanha se partiu em duas. E o
golpe de Estado que abriu caminho para a Guerra Civil arrasou também um futuro
de brilhantismo nas letras ao grito de “Morram os intelectuais!”. Oitenta anos
depois, a maioria das feridas daquela época estão cicatrizadas. A Biblioteca
Nacional espanhola quer terminar de curá-las e por isso elaborou um índice de
autores desaparecidos dos dois lados, cujos direitos passam a domínio público
agora. “Foi um ano dramático, no qual se perdeu muito mais do que o imaginável.
Resta construir pontes, mais ainda agora que os direitos desses autores ficam à
disposição de todos e se multiplicam as possibilidades de difusão de suas
obras”, afirma a diretora da BNE, Ana Santos Aramburo.
Na Espanha, a lei determina 70 anos a partir da
morte de um autor para que sua obra entre em domínio público. A partir de 1o de
janeiro do ano seguinte, qualquer pessoa pode usar suas obras, com a condição
de respeitar o direito moral e a autoria. No entanto, o sistema, semelhante na
maioria dos países, vale apenas para as mortes posteriores a 7 de dezembro de
1987, quando foi reformada a Lei de Propriedade Intelectual. Os autores
falecidos antes estão sujeitos à legislação de 1879: seus direitos caducam 80
anos e um dia após a morte, como esclarece o advogado especialista em
Propriedade Intelectual Andy Ramos. Assim, a obra de autores como García Lorca
e Valle-Inclán, falecidos em 1936, já se tornou disponível a todos. E em 1o de
janeiro somou-se a ele Miguel de Unamuno, morto em 31 de dezembro de 1936.
Mas esse ano significou muito mais. José Carlos
Mainer, catedrático da Universidade de Zaragoza e crítico do EL PAÍS, elaborou
uma lista na qual, além dos consagrados, inclui vários autores dessa época a
serem lembrados. “O ano de 1936 foi um annus horribilis, mas também mirabilis.
Sabemos quem foram seus falecidos célebres. Mas também foi um ano de grandes
livros de autores que continuaram vivos: Juan de Mairena, de Machado; Canción,
de Juan Ramón Jiménez; o segundo Cántico, de Jorge Guillén; Razón de amor, de
Pedro Salinas, La realidad y el deseo, de Luis Cernuda: obras de velhos e de
outros que já não eram tão jovens. Isso nos dá a medida do que foi destruído
sem chance de recuperação”, comenta. “Para mim, aquele ano continua sendo o
erro que abriu uma brecha duradoura no desenvolvimento de nosso país como
comunidade cultural e política.”
Não só do lado perdedor, mas também entre os que
ganharam a guerra. “Falo de Muñoz Seca, a quem sempre deveremos La venganza de
don Mendo… Não esquecemos de pessoas de extrema direita que também
desapareceram como Ramiro de Maeztu e Manuel Bueno, que deixou Valle-Inclán
desamparado e que escreveu em 1936 um romance sobre as culpas dos descontentes
do início do século, Los nietos de Danton. Também menciono como escritores três
clérigos assassinados: Julián Zarco, que era bibliotecário erudito de El
Escorial; Zacarías García Villada, o criador da paleografia espanhola, e o
Padre Poveda, criador da Institución Teresiana, que tem papel de destaque no
feminismo católico. E, sem dúvida, José Antonio Primo de Rivera e Ramiro
Ledesma Ramos, porque, apesar de serem políticos fascistas, escreveram
romances”, afirma Mainer.
Parece que uma nova vida espera por muitos deles.
José Antonio Ponte Far, patrono da Fundación Valle-Inclán, considera que o
vencimento dos direitos “vai favorecer a difusão da obra de Valle e o aumento
de suas traduções ao galego”. “A passagem para o domínio público é notável.
Para vários autores, representou uma publicação muito maior. Mas quantidade não
significa qualidade”, adverte Diego Moreno, responsável pela editora Nórdica. É
precisamente para aumentar o alcance das criações que a propriedade
intelectual, diferentemente da de um carro ou casa, caduca. “Os prazos
respondem a um equilíbrio entre o acesso à Cultura, que enriquece a sociedade,
e a proteção do autor e de seus descendentes”, acrescenta Ramos.
No caso de García Lorca, a receita dos direitos era
repartida igualmente entre seus seis herdeiros. “Não são cifras milionárias,
mas alguma renda, afinal”, afirma Mercedes Casanovas, da agência Casanovas y
Lynch, que gerencia os direitos do poeta granadino. E Moreno conta como se
calcula habitualmente o número. Primeiro, multiplica-se a tiragem do livro por
seu preço de venda. Entre 8% e 10% do total se destinam aos royalties:
normalmente a metade como antecipação e a outra à medida que a obra vai sendo
vendida.
“As criações de Lorca sempre foram publicadas em
muitas editoras, sem contratos exclusivos. Mas ultimamente temos recebido
perguntas sobre quando passava a domínio público”, acrescenta Casanovas. Essas
dúvidas refletem a confusão envolvendo os direitos autorais. Por exemplo, Lorca
já é de todos na Espanha, mas não nos Estados Unidos, onde o prazo depende da
data da primeira publicação de cada obra no país. Ao mesmo tempo, muitíssimos
autores estrangeiros são liberados em seu país uma década antes dos 80 anos
espanhóis e com frequência as editoras nacionais não sabem se já podem
publicá-los – como fizeram erroneamente com O grande Gatsby em 2011 – ou não,
porque alguém detém os direitos na Espanha. É por isso que muitos entrevistados
expressam o mesmo desejo: um portal que permita identificar quem administra os
direitos de cada autor, até quando ou se já pertence ao domínio público. A
lista da Biblioteca Nacional, pelo menos, é um primeiro passo.
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