Autoria: Mariana Santos.
Fonte: BBC. Data: 17/01/2017.
Documentos e objetos referentes
aos oito anos de mandato do democrata estão sendo transportados há meses para
um depósito, mas a construção da biblioteca que levará o nome do primeiro
presidente negro americano e que abrigará esses arquivos só ganhará impulso a
partir de sua saída da Casa Branca.
Distante da Presidência, o
habilidoso levantador de fundos Obama deve concentrar esforços em conseguir
recursos para a obra, que, além da biblioteca, contará com museu e área para
eventos.
E o primeiro ano após deixar o
cargo, dizem especialistas, será crucial para esta empreitada.
Tecnologia de ponta
Previsto para ser um espaço com
tecnologia de ponta para entreter os visitantes, o prédio será erguido na
região sul de Chicago a um custo estimado pela imprensa americana em pelo menos
US$ 500 milhões (R$ 1,6 bilhão), com alguns falando em até US$ 1 bilhão (R$ 3,2
bilhões).
Mas Obama não vai começar a
campanha de arrecadação do zero. Discreta, a articulação para tocar o projeto
da biblioteca presidencial começou ainda no início de seu segundo mandato.
Em janeiro de 2014 o presidente
criou a Fundação Barack Obama, que passou a arrecadar fundos em seguida.
Mas em seus dois primeiros anos
de existência, a fundação conseguiu levantar tímidos US$ 7,5 milhões - os
valores doados em 2016 ainda não foram revelados. A expectativa é, no entanto,
que essa quantia dispare no momento em que ele deixar a Presidência.
Martin Nesbitt, diretor da
fundação e amigo de Obama, explicou em julho passado que, enquanto o democrata
estivesse no cargo, as doações teriam valores limitados e ficariam reduzidas a
um "pequeno grupo de amigos e apoiadores de longa data do
presidente".
A partir de agora, a fundação
poderá aceitar doações de empresas e pessoas físicas e jurídicas estrageiras.
Entre os principais doadores da biblioteca devem estar os mesmos entusiastas
das duas campanhas de vitoriosas de Obama.
Conflitos de interesse
Embora ainda esteja no início
da arrecadação, a Fundação Obama não tem escapado das críticas de organizações
que pedem mais transparência na política americana.
Jantares e encontros que Obama
e a esposa, Michelle, promoveram com potenciais doadores despertaram
questionamentos sobre um possível conflito de interesses e trouxeram à tona o
debate sobre a lei que permite com que as fundações presidenciais não revelem o
nome de seus doadores nem as quantias doadas.
Levantamento divulgado no ano
passado pela organização MapLight, que pesquisa a influência do dinheiro na
política americana, revelou que, dos 39 doadores divulgados pela Fundação Obama
até aquele mês, 15 participaram de encontros reservados com o presidente na
residência oficial.
"Um dos problemas de
quando uma fundação começa a levantar recursos quando o presidente ainda está
no cargo é que não se sabe quem está doando e nem quanto está sendo
doado", afirma Daniel Shuman, diretor da organização Demand Progress, à
BBC Brasil.
"E tem havido escândalos
associados a presidentes anteriores e o levantamento de recursos para suas
bibliotecas."
O ativista lembra que, em 2008,
o jornal Sunday Times denunciou a ação do lobista Stephen Payne, ligado
ao então presidente George W. Bush, que oferecera acesso ao governo em troca de
uma doação de "centenas de milhares de dólares" à então futura
biblioteca do repulicano.
Schuman cita ainda o caso do
perdão concedido por Bill Clinton ao financiador Marc Rich, condenado por
evasão de divisas e por relações comerciais com o Irã enquanto o país estava
sob embargo, após uma doação de US$ 450 mil da ex-mulher dele à Fundação
Clinton.
Durante a última campanha
presidencial, a então candidata Hillary Clinton foi questionada sobre doações
estrangeiras à fundação da família enquanto ela era secretária de Estado.
Embora os ex-presidentes não
sejam obrigados a construir uma biblioteca para guardar registros do período em
que ocuparam a Casa Branca, os mandatários veem nas fundações uma oportunidade
de dar publicidade a seu legado e de manter sua influência na esfera política.
Nos EUA, há 13 delas. A
primeira foi aberta por Franklin D. Roosevelt nos anos 1940.
"Além da chance de esses
doadores poderem influenciar figuras políticas, essa situação acaba criando
oportunidades reais de corrupção. Isso precisa mudar", opina Schuman,
lembrando que há um projeto de lei tramitando no Congresso americano há quase
dois anos para obrigar fundações presidenciais a declararem doações acima de
US$ 200.
Fundo para manutenção
Para Anthony Clark, pesquisador
e autor de The Last Campaign (A Última Campanha; 2015), sobre
bibliotecas presidenciais nos Estados Unidos, ex-presidentes americanos também
usam os centros que levam seus nomes como uma "plataforma para o período
pós-presidência".
Para Clark, o atual conceito
das bibliotecas desvirtua a ideia inicial de Roosevelt: ter um espaço para
preservar documentos durante um período de guerra.
De fato, ao longo dos anos, as
bibliotecas foram se tornando mais monumentais, complexas e onerosas. O Obama
Presidential Center contará, por exemplo, com uma biblioteca digital,
instalações modernas e equipamentos de ponta.
Já na Biblioteca e Museu Ronald
Reagan, uma das atrações é exposição do Air Force One, o avião usado pelo
ex-presidente durante seu mandato.
Outro problema apontado por
Clark é o custo de manutenção dos centros. Atualmente, o governo americano
gasta cerca de US$ 70 milhões por ano com as bibliotecas presidenciais, que,
após construídas, precisam ser doadas ao governo.
A fim de garantir recursos para
manter esses centros no futuro, a lei prevê que as fundações devem repassar 60%
- eram 20% até George W. Bush - de todas as doações para um fundo de reserva.
Mas, segundo o especialista, há maneiras de driblar a legislação e entregar
valores bastante inferiores ao estipulado no papel.
Ele explica que, embora as
bibliotecas também arrecadem recursos por meio de bilhetes de entrada e
promoção de atividades, em algumas, especialmente as de ex-presidentes mais
antigos ou pouco populares, o número de visitantes cai ano a ano.
E, se a tendência de espaços
high-tech, como o futuro Obama Center, com alto custo de manutenção, se
estabelecer, isso pode ser um problema para os cofres públicos no futuro, diz
Clark.
"Quando ninguém mais se
lembrar direito quem foram esses presidentes de agora, daqui a 40 ou 50 anos, o
que acontecerá com essas biblotecas?"
Polêmica também no Brasil
Repasses de empresas a
institutos de ex-presidentes também não precisam ser divulgadas - e logo, geram
suspeitas - no Brasil.
Um dos alvos da operação Lava
Jato são doações no valor de R$ 30,7 milhões ao Instituto Lula, que coordena
atividades relacionadas ao legado do ex-presidente, e à LILS, empresa que cuida
de suas palestras.
Em dezembro, o juiz federal
Sergio Moro aceitou uma denúncia contra Lula em que ele é acusado sob a
suspeita dos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro em contratos
firmados entre a Petrobras e a Odebrecht.
De acordo com a investigação,
parte do dinheiro doado teria sido usado para comprar um terreno na zona sul da
cidade de São Paulo onde seria construída a sede do instituto (R$ 12,4 milhões),
que nunca chegou a ser erguida no local, e um apartamento em frente ao que o
ex-presidente mora em São Bernardo do Campo (R$ 504 mil).
Segundo o Ministério Público
Federal, há indícios de que esse dinheiro possa ter sido desviado da Petrobras,
já que boa parte dele foi repassado por empreiteiras envolvidas no escândalo de
corrupção flagrado pelas investigações.
Entre essas empresas está a
Odebrecht, que entre 2011 e 2012 também repassou R$ 975 mil ao Instituto
Fernando Henrique Cardoso, conforme descobriu a Polícia Federal. Os dois
institutos negam qualquer irregularidade.
José Sarney, Itamar Franco e
Fernando Henrique Cardoso são os únicos com espaços destinados a exibir seus
acervos. O de Sarney está na Fundação da Memória Republicana Brasileira, que
funciona em um prédio histórico em São Luís, no Maranhão.
Em sua primeira versão, ainda
sob o nome de Fundação José Sarney, ela foi alvo de uma investigação por
indícios de desvios de verba pública repassada à instituição pela Petrobras e
fechou suas portas em 2009. A nova fundação foi criada dois anos depois, e seu
patrimônio, doado ao Estado.
O acervo de Itamar, no Memorial
da República Presidente Itamar Franco, junto à Universidade Federal de Juiz de
Fora, em Minas Gerais. Ambos são mantidos com dinheiro público. Já o Instituto
Fernando Henrique Cardoso recebe dinheiro privado.
De acordo com o Instituto Lula,
o projeto de construção do Memorial da Democracia, que incluiria uma biblioteca
presidencial em suas instalações, foi embargado pelo Ministério Público de São
Paulo - por isso, afirma a assessoria de imprensa, o acervo do petista não está
exposto.
Apesar de a lei brasileira
prever ajuda financeira a ex-presidentes que queiram disponibilizar seu acervo
ao público, o Instituto do Patrimônio Histórico Nacional (Iphan) explica que,
nos últimos anos, devido à política de corte de gastos do governo, o auxílio
limitou-se ao financiamento de alguns projetos.
Os governos federal ou estadual
só assumem custos de preservação dos acervos quando eles são doados ao poder
público, como no caso de Itamar Franco e Sarney.
Crítico ao uso de dinheiro
público para bancar acervos presidenciais, José-Matias Pereira, professor de
Administração e Finanças Públicas da Universidade de Brasília, acredita que
eles acabam sendo usados para "enaltecer" o ex-ocupante do Palácio do
Planalto e defende mais transparência na prestação de contas.
"É legítimo que alguém que
passe pelo poder deixe algum tipo de memória. O que não pode é fazer que o
contribuinte pague por isso, seja tirando dinheiro do orçamento para manter os
institutos ou por meio de acertos espúrios com empresas doadoras", afirma
Pereira.
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