Autor: Marcos de Vasconcellos.
Fonte: Consultor
Jurídico.
Os brasileiros passam, em média,
27 horas conectados à internet por semana, segundo o estudo Futuro Digital do
Brasil em Foco 2013, da consultoria comScore. A influência da tecnologia na
tomada de decisões de executivos de grandes empresas é discutida globalmente em
eventos como o Wisdom 2.0, que reuniu, este ano, 1,7 mil pessoas em São
Francisco (EUA). No Judiciário não é diferente. A presença dos buscadores
virtuais, como o Google, no trabalho dos juízes tem sido motivo para intensas
discussões no meio.
O processo civil moderno tem
admitido uma atuação cada vez mais ativa do juiz na apuração dos fatos. “É o
que a doutrina chama de busca da verdade real, justificada pelo caráter público
do processo”, explica o ministro Gilmar Mendes (foto), do Supremo Tribunal
Federal. Segundo a doutrina, o juiz não deve ficar inerte diante das provas
produzidas pelas partes caso elas não sejam esclarecedoras o bastante. No Brasil,
o próprio Código de Processo Civil traz, em seu artigo 130, uma abertura para a
atuação menos passiva dos juízes. O artigo diz que “caberá ao juiz, de ofício
ou a requerimento da parte, determinar as provas necessárias à instrução do
processo, indeferindo as diligências inúteis ou meramente protelatórias”, para
melhor formação da convicção.
Com base nesse dispositivo, diz o
ministro, muitos juízes buscam, por conta própria, informações adicionais para
melhorar a instrução do processo. "Talvez não se possa dizer aqui que se
trata propriamente de uma investigação ‘fora dos autos’, desde que as fontes
pesquisadas sejam citadas e se dê às partes a oportunidade de se manifestar
sobre as informações trazidas aos autos”, pontua. Ou seja: a pesquisa e as provas
obtidas nela, se servirem para o convencimento do juiz, devem ser explicitadas
na sentença, como dita o artigo 131 do CPC.
Apesar de encarar com
naturalidade o envolvimento dos julgadores com as novas tecnologias,
disponíveis a todos, Gilmar Mendes faz ressalvas sobre o uso das ferramentas em
casos criminais. “No processo penal, contudo, essa liberdade de pesquisa há de
ser vista com cautela.”
Seu colega de corte, ministro
Marco Aurélio (foto), encara com desconfiança ainda maior o fato de juízes
buscarem na internet informações
sobre casos que estejam julgando. Marco Aurélio diz que “o Judiciário atua
mediante provocação das partes do processo e o que não está neste não existe,
para efeito de formação de convencimento, no mundo jurídico”.
Marco Aurélio explica que a
“espinha dorsal” do devido processo legal é o contraditório e o juiz deve atuar
“sem o abandono da equidistância, consideradas as partes e os ônus processuais
destas, ou seja, meio sem o qual não é dado obter certo resultado”.
O também ministro do Supremo,
Ricardo Lewandowski afirma que apenas o que está integrado aos autos pode ser
usado para fundamentar a decisão de um julgamento, mas diz pensar que “para
formar convicção pessoal íntima” é válido que um juiz faça suas próprias
pesquisas.
Carlos Henrique Abrão, juiz
convocado ao Tribunal de Justiça de São Paulo, afirma que é impossível fazer
com que os julgadores deixem de lado a tecnologia que têm à sua disposição para
julgar um caso. “Está todo mundo na era digital e isso agiliza o trabalho”, pontua.
Ele explica que isso acontece também porque muitos advogados “não fazem o dever
de casa”, ou seja, deixam lacunas nas petições. “Se eu mando um advogado aditar
uma petição inicial, ele demora mais de um mês para incluir uma informação. Eu,
porém, em 15 minutos, consigo fazer uma busca e pronto, está suprida a lacuna e
o processo pode andar!”
Como exemplo de suas pesquisas,
Abrão cita uma questão banal que chega diariamente aos tribunais: acidentes de
trânsito. “Quando a parte alega que a batida de carro se deu em um cruzamento
muito perigoso, ou por causa de um buraco na rua e as fotos juntadas não me dão
essa dimensão, eu vou ao Google e procuro fotos melhores do lugar, para ver se
é mesmo perigoso ou se tem mesmo um buraco no chão.”
Seu colega de tribunal,
desembargador Roberto Nussinkis Mac Cracken, também se diz favorável ao uso das
novas tecnologias. Para ele, é mais um elemento, embora não o único, para que o
magistrado possa proferir o julgamento. Ele explica que segue o princípio da
verdade real, pelo qual não se pode afastar o “mundo dos autos”, da verdade
fora do processo. “Eu, dentro de certos limites, tenho certeza que, com a
verdade real, minha probabilidade de atingir a justiça é maior, pois o processo
não é um disco voador, ele está integrado ao mundo”, sentencia.
A opinião de Mac Cracken e Abrão
não é compartilhada pelo juiz e professor de Direito Penal da Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo Guilherme de Souza Nucci. Para ele, se um
juiz vai ao local, ou pesquisa sobre ele, acaba usando sua experiência como
testemunha e, sendo testemunha, ele não pode julgar um caso. "Juiz não é
para isso, não tem que investigar, não tem que se virar, nem nada disso. Ele
tem que ler o que está lá (nos autos) e acabou. O máximo que pode fazer é requisitar
uma investigação", diz Nucci.
Fabiana Siviero, diretora
jurídica da empresa criadora da maior ferramenta de buscas da internet, o Google, faz ressalvas às
pesquisas feitas por juízes. “Se a matéria é técnica, o juiz não pode
substituir a perícia pelo Google. Mas não se pode negar que hoje o senso comum
está ampliado e todo mundo tem acesso à informação”. O juiz, diz ela, também é
consumidor e também é cidadão. Portanto, não é possível impedir seu acesso a
informações.
O ex-governador de São Paulo e
advogado Cláudio Lembo diz achar normal o uso das ferramentas de busca. “É uma
ferramenta nova que todos temos no mundo contemporâneo e juiz não está fora da
realidade. Ele pode entrar na internet
e captar elementos”, diz. O criminalista Alberto Zacharias Toron também não vê
problemas na proatividade do juiz em tempos de internet: “O juiz tem uma iniciativa probatória mínima, mas tem.
Ele pode fazer suas buscas”.
Questão nova
Ainda não há decisão do Supremo
Tribunal Federal sobre o uso das ferramentas de busca para fundamentar decisões
em processos. O ministro Marco Aurélio lembra, porém, que a corte só decidirá
sobre o caso quando provocada.
O julgamento do Supremo que mais
se aproxima da questão foi o da Ação Direta de Inconstitucionalidade 1.517, em
que a Associação dos Delegados de Polícia do Brasil (ADEPOL) questionou a Lei
9.034, que, em seu artigo 3º, diz que "ocorrendo possibilidade de violação
de sigilo preservado pela Constituição ou por lei, a diligência será realizada
pessoalmente pelo juiz, adotado o mais rigoroso segredo de Justiça".
Segundo a ADEPOl, o juiz estaria
usurpando a função da Polícia Judiciária ao fazer a diligência pessoalmente. O
Supremo julgou a lei constitucional, ficando vencido o voto do ministro
Sepúlveda Pertence, segundo o qual o dispositivo estabelece o "juiz
investigador", o que seria uma abertura para um "juízo
inquisitorial".
O criminalista Paulo Sérgio Leite
Fernandes explica a decisão, afirmando que o juiz não é impassível,
"porque precisa proteger a regularidade do processo e resguardar os
direitos e garantias fundamentais do indiciado ou acusado. Não pode,
entretanto, transformar-se em investigador ou partícipe das investigações. Se o
fizer, fica impedido para a ação penal."
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