Para o escritor Nicholas Basbanes, que pesquisou a história dos meios de conservar a escrita, ele continuará a ser importante, porque jamais será substituído.
Autoria:
Amanda Polato.
Fonte: Revista Época. Data: 29/12/2013.
"A sociedade sem papel
está se aproximando, queiramos ou não. Não podemos enterrar a cabeça na areia.
Podemos escolher ignorar o mundo eletrônico, mas isso não fará diferença”,
escreveu o cientista da informação Frederick Wilfrid Lancaster em... 1978. Ao
lado de outros entusiastas do futuro digital, ele previa um mundo maravilhoso
com grande variedade de obras à disposição dos estudantes, menos impressões e
redução de custos. Bibliotecas inteiras caberiam numa mesa. Quem não se
adaptasse a tempo e abandonasse o papel viveria uma transição caótica. Trinta e
cinco anos depois, muito do futuro imaginado por ele se concretizou. Mas o
papel ainda persiste.
As bibliotecas continuam
abarrotadas. Os livros impressos convivem com a popularização dos e-readers e
tablets. “Usar um não significa descartar o outro”, afirma o escritor Nicholas
Basbanes, autor do livro recém-lançado On paper (No papel), sem edição
no Brasil. Num momento em que se discute o futuro do papel e até sua
eventual extinção, o livro de Basbanes tenta explicar sua importância e a
maneira como ele influenciou o curso da história. Bibliófilo, ele investigou a
origem do papel e seus diferentes usos. Conversou com pesquisadores, donos de
indústrias, bibliotecários e até pessoas que ainda fazem papel à mão, como há 2
mil anos. A longa jornada pela história do papel convenceu Basbanes de que a
supremacia do papel tem raízes profundas – e será impossível substituí-lo.
Basbanes diz que os livros
não se tornarão obsoletos tão cedo, porque são os mais simples e confiáveis
meios de preservação. Dispositivos eletrônicos e softwares estão em constante
mudança. Aquilo que foi registrado num formato específico hoje pode não ser
lido amanhã. “Já segurei nas mãos um livro com mais de 500 anos. Você pode
dizer, com segurança, que o mesmo acontecerá com uma obra criada
digitalmente?”, diz Basbanes.
Grandes acervos históricos
não abrem mão do papel. Nos Estados Unidos, o Arquivo Nacional encomendou
folhas super-resistentes para ajudar a preservar documentos originais, como a
Declaração da Independência, a Constituição e a Carta dos Direitos. O
responsável pelo trabalho foi Timothy Barrett, do Centro do Livro da
Universidade de Iowa, que registra e resgata técnicas milenares de fabricação de
papel à mão. “Estamos nos movendo em direção a um mundo digital holográfico
maravilhosamente fascinante, mas, ironicamente, nesse ambiente, os documentos
em papel em certos casos se tornarão mais importantes, e não menos
importantes”, diz.
É inegável que a tecnologia
altera hábitos, mas as características únicas do livro tradicional dão a ele
muitos anos a mais de vida. A tecnologia não conseguiu substituir algumas das
vantagens do papel. Ele pode estar sempre à disposição nas estantes e ser
exibido em reuniões sociais. Nos livros, há o contato com textura mais macia. É
possível manipular as páginas, sobrepô-las ou dobrar as pontas para se
concentrar em outras partes. As palavras não competem com alertas de
aplicativos, mensagens que sempre pulam nas telas ou com o link para o filme
sobre a obra no YouTube, como acontece nos tablets e smartphones.
A demanda por papel tem caído
em algumas regiões, como América do Norte e Europa. As grandes indústrias
atribuem isso à estagnação econômica e ao avanço da tecnologia. As preocupações
com o meio ambiente também resultam no menor uso de papel. Mas não é possível
dizer que o setor viva um retrocesso. Foram produzidos 400 milhões de toneladas
de papel em 2012, em comparação com os 399 milhões no ano anterior.
Esses milhões de toneladas
têm os mais variados destinos. A Associação Britânica de Historiadores do Papel
registra mais de 20 mil usos atualmente. Há empresas que investem em papéis
especiais, selos, cartões-postais, jogos de cartas e outros nichos de mercado.
Há usos tradicionais que perduram. Em qualquer parte do mundo, ninguém consegue
se identificar oficialmente sem usá-lo. É uma tradição que começou nos tempos
medievais. As pesquisas de Basbanes revelam que o papel, tão barato, abundante
e portátil, tornou a burocracia possível e contribuiu para a expansão dos
árabes pelo Oriente Médio, pelo Norte da África e parte da Europa. A papelada
cresceu ainda mais com a Revolução Francesa, em 1789, quando o poder deixou de
ficar concentrado no rei e foi distribuído aos funcionários públicos, que
deviam dar provas escritas dos serviços feitos.
Ainda hoje, os governos
exercem seu poder de controle por meio de uma série de regras, cumpridas apenas
com a apresentação de documentos, protocolos e termos impressos. A burocracia
criou duas classes de pessoas: as que têm papéis e as que não têm. Na França,
os imigrantes ilegais são justamente conhecidos como sans papiers (sem papéis).
Os Estados também não conseguiram reduzir o uso do papel em suas atividades
diárias. Em mais de dois séculos de atividade, o Arquivo Nacional americano
acumula 80 bilhões de papéis oficiais – e apenas 5% de todo o volume produzido
no último ano foi para as prateleiras.
Nas empresas, o inconfundível
barulho das impressoras não deixa dúvidas de que o amplo uso de computadores e
e-mails não livrou os profissionais das folhas. No início dos anos 2000, os
pesquisadores Abigail J. Sellen e Richard H.R. Harper publicaram o livro The
myth of the paperless office (O mito do escritório sem papel). Diziam que
a internet aumentou as impressões em 40%. Para quem previa que a tecnologia
acabaria com o papel, é um dado embaraçoso.
Previsões sobre o mundo
digital também já mostraram que nossas carteiras ficariam sem notas. É verdade
que o papel-moeda perdeu importância. Dá para notar no dia a dia que é possível
comprar praticamente tudo com transferências bancárias e cartões de débito e
crédito. Num futuro próximo, os celulares cumprirão boa parte dessa função. No
entanto, números de Bancos Centrais mostram que a fabricação de notas e moedas
não começou a cair. Na Zona do Euro, elas representam 9% das transações, mas o
total em circulação sobe ano após ano. Em 2012, havia E 876,8 bilhões fora dos
bancos, cerca de 2% a mais que em 2011, segundo o Banco Internacional de
Compensações. Em alguns países, como a Suécia, há esforços para acabar
com as notas. Alguns estabelecimentos não aceitam notas, como pubs e pequenos
negócios. A solução, aparentemente moderna, prejudica moradores de zonas
rurais, que não têm cartões. O mesmo vale para os Estados Unidos. Segundo o empresário
Douglas Crane, que fornece papel para as notas de dólares, 20% dos americanos
não têm conta bancária. O papel-moeda também é fundamental para imigrantes.
Mesmo com grandes inovações relacionadas à carteira eletrônica, é difícil
imaginar algo tão simples e anônimo quanto um pedaço de papel, que permite
operações fora do sistema bancário. As altas taxas cobradas pelos bancos também
desestimulam o uso do crédito e débito para compras pequenas. O avanço das
moedas eletrônicas esbarra ainda na segurança. A quebra de um código poderia
significar a reprodução de dinheiro indefinidamente. Até agora, não foi
inventado nenhum sistema infalível. Mesmo que um novo sistema surja e convença
todos (inclusive os excluídos) a trocar as carteiras por celulares, isso
acabaria com apenas uma utilidade do papel. Restariam ainda 19.999.
2 comentários:
Acredito que no futuro haverá uma redução bastante drástica no uso do papel, e quero me preparar o quanto antes para isso.
Em relação a este assunto, sempre tenho dúvidas, pois, acho que haverá uma redução do uso do papel, mas não em relação à publicações de livros, pois nem todo mundo se sente confortável para ler grandes volumes de texto em outras mídias...falo por mim, que faço parte da geração X.
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