Autoria: Leonardo
Vieira e Letícia Lins.
Fonte: O Globo.
Data: 25/05/2014.
URL: http://oglobo.globo.com/sociedade/educacao/censo-65-das-escolas-brasileiras-nao-tem-biblioteca-12594751
“Não pedem para eu ler muito aqui, não. Mas também não
faço tanta questão assim. Acho meio chato”. Assim, Adriel Ferreira, 11 anos,
aluno do 5º ano de uma escola municipal de Belford Roxo (RJ), um menino como
milhões de outros país afora, resume espontaneamente o desinteresse pela
leitura, reforçado por um dado preocupante, mas nada surpreendente: a escola
dele integra o gigantesco grupo de 65% de unidades de ensino, públicas e
privadas, sem bibliotecas no Brasil. Os números, presentes no Censo Escolar
2013 e compilados pelo portal Qedu, mostram que, desde 2010, quando entrou em
vigor a lei 12.244 — que obriga todos os gestores a providenciar, até 2020,
espaços estruturados de leitura em seus colégios —, a situação praticamente não
evoluiu. Naquele ano, só 33,1% das escolas tinham bibliotecas; em 2013, eram
35%.
— Uma vez até fui mexer ali na sala de leitura (repleta de
caixas de papelão e sacos plásticos), mas o pessoal da escola falou que não era
para tocar em nada. Disseram que era para os professores — lembra Adriel.
Embora em melhor situação, as escolas particulares ainda
estão longe da universalização dos espaços de leitura: apenas 59% delas os têm,
ante 28,9% das públicas. Há também grande disparidade regional. Sul e Sudeste
têm a maior concentração de bibliotecas, enquanto Norte e Nordeste enfrentam
dificuldades. Rio Grande do Sul (63,41%), Minas Gerais (60,52%) e Paraná
(58,05%) ocupam as três primeiras colocações; Acre (18,29%), Maranhão (13,88%)
e Pará (15,83%), as últimas. O Rio está em sexto, com 46% de unidades
equipadas. São Paulo tem só 24%, na 19ª colocação.
Fora do orçamento das escolas
Os baixos percentuais de cobertura levam educadores a não
acreditar que a lei será cumprida até 2020. Christine Fontelles, diretora de
educação e cultura do Instituto Ecofuturo, defende a extensão do prazo. Ela
trabalha no projeto Eu Quero Minha Biblioteca, que ajuda professores,
diretores, pais e alunos a requisitar e implantar bibliotecas nas escolas. Seu
trabalho envolve articulações com secretarias de Educação e o MEC:
— Há pouco conhecimento sobre o texto da lei e
pouquíssima referência sobre o impacto que uma boa biblioteca pode causar. Não
há ainda uma tradição no país de incluir as bibliotecas no orçamento das
escolas. O que não pode haver é um improviso. É preciso haver lugares adequados
para a leitura, não adianta ter livros num caixote.
Na rede municipal do Rio de Janeiro, segundo o Censo de
2013, apenas 21,71% das bibliotecas escolares podem ser consideradas como tal.
O índice já foi melhor: há quatro anos, eram 34,28%. O que ocorre é que muitas
possuem espaços dedicados a atividades de leitura, inclusive com amplos
acervos, mas que não obedecem à lei.
Um exemplo é a Escola Municipal George Pfisterer, no
Leblon, Zona Sul da cidade. O acervo da sala de leitura é de 10 mil títulos
para aproximadamente 1.300 alunos, sendo a grande maioria proveniente da
Rocinha. Lá, professores trabalham atividades com livros, como adaptação de
obras literárias para o teatro, resenhas e até concursos de poesias. No
entanto, diferentemente do que preconiza a lei, quem trabalha no local não são
bibliotecários, mas sim docentes, os chamados “professores regentes”.
Mesmo assim, os gestores da escola garantem que a fórmula
é mais eficiente do que o modelo de uma simples biblioteca. Há dois anos na
sala de leitura, a professora de História Isabel Gonçalves Lepediano conta que
o número de empréstimos solicitados voluntariamente por alunos chegou a 3.529
só até agora em 2014, mais que o total de 2013.
Uma das frequentadoras da sala de leitura, a estudante
Raquel de Araújo Silva, de 12 anos, diz que o local a estimula a ler. Mas
sustenta que o gosto pela leitura surgiu em casa:
— Comecei com livros de poesia do meu pai.
Metodologia explicaria queda
A explicação para a queda no número de escolas com
bibliotecas na rede carioca está na metodologia do Censo Escolar. Essa é a
opinião de Simone Monteiro, coordenadora do Programa Rio, Uma Cidade de
Leitores da Secretaria municipal de Educação. Segundo ela, a Prefeitura tem
projetos de incentivo à leitura nas escolas que, às vezes, podem ser
desconsiderados por gestores na hora do preenchimento do questionário do Censo.
— Os dados do Censo não condizem com a realidade. Nossa
oferta é muito maior do que está ali.
No bairro popular de Nova Descoberta, na Zona Norte do
Recife, a situação é bem mais drástica. As escolas municipais Casa Amarela e
Córrego de Areia simplesmente não têm qualquer coisa que se assemelhe a uma
biblioteca. Os livros são ofertados de forma improvisada — numa caixa de
papelão, como ocorre na primeira, ou em pequenas estantes, como na segunda. Das
232 escolas da prefeitura, mais da metade não tem espaços adequados de leitura.
Há 12 anos lecionando na rede, a professora Vânia Costa
lamenta a situação:
— Temos títulos interessantes, uns 50, mas não há espaço
adequado. As crianças manuseiam os livros, mas, como eles ficam na caixa,
acabam danificados.
Na Córrego da Areia, a direção criou “cantinhos da
leitura” nas salas de aula, onde foram instaladas prateleiras. Ao todo, há 500
títulos.
— Já tive oportunidade de trabalhar em uma escola sem
biblioteca, no Córrego da Bica, e depois, quando ela foi instalada, percebi a
diferença. A disputa pela biblioteca, onde também tinha um laboratório de
informática, era grande — conta Sílvia Patrícia Bezerra Rocha, coordenadora
pedagógica da unidade.
Apesar de estarem em situação melhor que as públicas, as
escolas particulares vêm perdendo espaços qualificados. Em 2010, eram 60,24%;
ano passado, 58,68%. No Estado do Rio, a queda foi de 66,23% para 60,24%. De
acordo com a presidente da Federação Nacional das Escolas Particulares, Amábile
Pácios, há uma “percepção por parte dos colégios de que a lei está
ultrapassada”.
— Alunos trazem celulares e tablets para a sala. É
evidente que preferem bibliotecas virtuais. A biblioteca (física) ainda é
importante, mas agora não podemos mais dizer que é essencial — alega.