Autor: Guillermo Altares.
Fonte: El País (Espanha). Data: 2/11/2015.
O armazém do gigante
editorial Penguin Random House nos arredores de Barcelona despacha em média 1,5
milhão de livros de papel por mês. A Amazon, império das compras via Internet,
mantém perto de Madri um estoque de 583.000 títulos de livros físicos, um
número que não para de crescer. Com esses dados fica claro que o Farenheit 451
que anunciava a morte do papel como formato de leitura não aconteceu.
Entretanto, tampouco se sustenta o contrário: que os e-books se tornaram
irrelevantes e que os aparelhos de leitura digital também cairão no
esquecimento, a exemplo do que aconteceu com os videocassetes.
O panorama descrito
pelas cifras e pelos profissionais do setor é híbrido – um mundo onde convivem
o formato clássico e o digital, com fenômenos importantes, ainda muito difíceis
de captar pelas estatísticas, como a auto edição e os serviços de assinatura de
e-books com tarifa fixa, e com um mercado digital imenso que inclui a América
Latina e os Estados Unidos.
“Não dá a impressão de
que o livro digital irá acabar com o papel, que tem um piso”, resume José
Pascal Marco Martínez, diretor-geral do livro no Ministério de Educação,
Cultura e Esportes da Espanha. “Mas o livro digital continua crescendo”,
prossegue. “A realidade é que não falei com ninguém sobre e-books na Feira de
Frankfurt”, diz, por sua vez, Paula Canal, da Anagrama, uma das editoras
espanholas com mais leitores fiéis. “Tive centenas de conversas sobre como são
bonitas as capas da X e as edições da Y. Os editores jovens, brilhantes e
promissores fazem os livros mais lindos, e não se preocupam com os e-books.”
Javier Celaya, consultor, responsável pelo blog Dosdoce e autor de vários
estudos sobre o livro digital, diverge. “Estamos a meio caminho. Como setor eu
me preocuparia com o não crescimento da demanda digital, que será uma forma de
crescer. São potenciais leitores que estão escapando por outras vias, como os
aplicativos para celulares, os conteúdos abertos de alta qualidade e a auto
edição. ”
Certamente, pela
relação tão próxima que se estabelece com os livros, o debate entre digital e
papel gera polêmicas inflamadas. O The New York Times publicou recentemente uma
reportagem falando do “declínio” do livro digital, a qual foi respondida por
outra matéria na revista Fortune que dizia mais ou menos o contrário. O
fechamento da plataforma de livros por assinatura Oyster, em setembro, foi
interpretado como outro sinal de decadência do que já foi considerado o futuro.
Entretanto, tanto o Kindle Unlimited, da Amazon, como o 24Symbols – os outros
dois Spotify dos livros – estão crescendo significativamente.
Embora faltem dados
essenciais – a Amazon não revela o número de dispositivos Kindle vendidos nem o
número de títulos auto editados em sua plataforma, que não geram ISBN e,
portanto, ficam fora das estatísticas – e seja difícil medir o impacto da
pirataria, a pesquisa de Hábitos e Práticas Culturais da Espanha 2014-2015,
publicada em setembro, revela que 59,9% dos espanhóis leem em papel, 17,7% em
digital e 5,7% na Internet. Com relação à pesquisa anterior, de cinco anos
atrás, o papel quase não variou (era 58,3%), mas quase triplicou a partir dos
6,5% que tinha na época.
Os dados do Ministério
da Cultura espanhol revelam que, em 2014, a edição de livros em papel cresceu
pela primeira vez em quatro anos, 3,7%, com 68.378 títulos, mas acumula uma
queda de 29,5% nesse período. Neste ano, a edição de livros digitais caiu 1,9%,
primeira vez que isso ocorre, passando a representar 22,3% do setor. Nos
últimos quatro anos, o livro digital cresceu 13,9%, frente a uma queda de 14,1%
no faturamento das livrarias no mesmo período. O faturamento com livros
eletrônicos em 2014 representou 110 milhões de euros (458,8 milhões de reais,
pelo câmbio atual), um aumento de 37,1% com relação ao ano anterior. A edição
em outros suportes diferentes do papel já representa 10,8% do faturamento total
na Espanha e em torno de 20% nos EUA.
Uma ampla pesquisa
feita no setor editorial e divulgada na Feira de Frankfurt em 2008 antevia que
em 2018 o livro digital superaria o livro físico. Ao comparar essa e outras
previsões com os dados atuais, fica claro que o papel tem enorme capacidade de
resistência, apesar da crise, mas também que o livro eletrônico cresce de forma
constante. “Está funcionando menos do que esperávamos, mas estamos crescendo a
um ritmo de dois dígitos, principalmente no mercado latino-americano e dos
Estados Unidos”, diz Iría Álvarez, chefe de desenvolvimento digital e vendas
digitais da Penguin Random House América Latina e EUA
Perguntado sobre uma
possível desaceleração do livro eletrônico, Santos Palazzi, diretor de assuntos
digitais da editorial Planeta, o outro gigante editorial espanhol, responde: “O
e-book continua crescendo de forma sustentada. Observa-se certa desaceleração
na Espanha, ao passo que as taxas de crescimento em novos modelos de negócios,
como o empréstimo digital bibliotecário ou as plataformas por assinatura,
superam 50%. Além disso, esperamos que em médio prazo as vendas na América
Latina e EUA representem até 50% do faturamento total”.
Entretanto, as
editorias pequenas continuam dependendo do papel, e algumas nem sequer editam
livros eletrônicos. “O papel é a base do nosso negócio”, diz Luis Solano, da
Libros del Asteroide, que edita todas as suas novidades nos dois formatos. A
tranquilidade que a leitura em papel permite, a legibilidade desse suporte e a
rede de livrarias protegidas pelo preço fixo são alguma das causas que ele cita
para explicar a sobrevivência ao digital. Heloise Guerrier, da editorial de
quadrinhos Astiberri, também argumenta que seus leitores continuam preferindo
disparadamente o formato tradicional, embora a editora tenha recentemente
lançado em seu site a venda de HQs digitais a preços muito inferiores ao papel.
“Quem gosta de HQs e as lê não acho que compre digital. Mas, embora por
enquanto seja algo marginal, não podemos ignorar”, diz Guerrier.
O VHS foi morto pelo
DVD, e é possível que esse formato seja substituído por plataformas como
Netflix, iTunes e Yomvi (resta ver se acabarão com a televisão tradicional).
Mas o vídeo não matou o rádio, assim como o cinema e a televisão não acabaram
com o teatro. Tudo indica que ainda haverá livros de papel por muito tempo.
Entretanto, os livros digitais também têm um futuro seguro, um lugar nas novas
bibliotecas do mundo.
Os ‘Spotify da leitura’
“É um mercado são e
sustentável, e acreditamos que continuará sendo assim”, afirma Koro Castellano,
diretora do Kindle em espanhol. A Amazon não costuma divulgar muitos dados
sobre seu negócio, e Castellano não revela cifras sobre a auto edição, que
qualifica como “a mudança mais profunda que o livro digital promoveu”. Dos 25
livros mais vendidos no Kindle em 2014, 48% (12 títulos) eram auto editados.
Sobre a oferta do Kindle Unlimited, serviço com preço fixo mensal, ela tampouco
revela cifras, mas garante que seu crescimento é muito expressivo.
Álex Fernández, da
24Symbols, que oferece leituras ilimitadas a 8,99 euros (37,50 reais) por mês,
afirma por sua vez que “o papel não está morrendo e, sobretudo, o digital não é
uma ameaça, pois veremos como aprendem a conviver. Surgirão dois tipos de leitores,
ou existirão gêneros que funcionarão melhor em um formato ou outro”. “Os
modelos de assinatura já são parte do presente do negócio editorial, pelo
número de plataformas que operam no mundo, porque é um tipo de serviço popular
entre os consumidores de cultura (há os de música, filmes e séries, games,
notícias, audiolivros, HQs...) e porque representam um novo canal de venda para
as editoras e os autores. Uma nova oportunidade de negócio", conclui.
Nenhum comentário:
Postar um comentário