28 de jun. de 2011

O X da questão

Fonte: Publishnews. Data: 28/06/2011
Autor: Felipe Lindoso.
Quando fundamos a Editora Marco Zero, em 1980, Maria José Silveira, Márcio Souza e eu, queríamos publicar os livros que nos agradassem e que fossem de interesse do público. Não era um projeto simplesmente “estético”. Tínhamos uma clara intenção comercial.
Logo nos deparamos com as peculiaridades e dificuldades da vida editorial nesse nosso país de dimensões continentais, sem bibliotecas e com uma rede de livrarias muito precária. Então, como cientista social, comecei a matutar sobre quais as razões que impediam que os belos e substanciosos livros que publicávamos chegassem às mãos dos leitores na quantidade que achávamos que eles mereciam. A editora se afiliou à Câmara Brasileira do Livro, onde acabei sendo diretor e comecei a me enfronhar nas questões das políticas públicas relacionadas com o livro e a leitura.
Mais de trinta anos depois, e para além do livro O Brasil Pode ser Um País de Leitores? Política para a Cultura, Política para o Livro, que publiquei em 2004, passo a compartilhar aqui pensadas sobre o tema.
O primeiro assunto sobre o qual quero tratar aproveita uma notícia publicada no dia 7, no portal IG: O Ministro das Comunicações, Paulo Bernardo, vai conversar com os ministros da Educação, Fernando Haddad, da Ciência e Tecnologia, Aloísio Mercadante, e Fernando Pimentel, do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, para discutir o uso de tablets na educação.
A educação sempre foi um fator de primordial importância no desenvolvimento da indústria editorial. E não só no Brasil. Internacionalmente, os grupos editoriais mais poderosos são, de longe, os que produzem materiais para educação, ciência e tecnologia, como se pode ver no estudo que o consultor Rudiger Wischenbart divulgou em Frankfurt, cuja versão atualizada o PublishNews publicou recentemente: dos dez maiores grupos editoriais mundiais, apenas três não se dedicam exclusivamente à publicação na área educacional. No Brasil também, os dados conhecidos mostram que as editoras chamadas “didáticas” constituem o grupo de maior faturamento, encabeçadas pela Abril Educação. As três empresas editoriais brasileiras que aparecem no ranking internacional – Abril Educação, Saraiva e FTD – são do setor didático-educacional.
É sempre temerário fazer analogias entre o mercado brasileiro e o dos Estados Unidos. Mas lá, também, a expansão dos e-readers e dos e-books não passou por fora do setor educacional. O estado da Califórnia, um dos mais afetados pela crise de 2008, há três anos só compra e-books para o sistema educacional público. A Amazon, quando do lançamento do Kindle DX, estabeleceu parcerias com várias universidades, inclusive Princeton, para o uso desse “leitor” nos seus cursos. Assim, apesar da visível euforia que aparece ali, nos jornais, em referência à massa dos compradores de e-readers e de tablets, uma parcela muito significativa desses aparelhos está sendo usada nas escolas. Esse uso vem se justificando sob vários pretextos, que vão da diminuição do peso das mochilas escolares ao preço de venda dos e-books, significativamente mais baixos que os livros escolares em papel.
Desse modo, a análise da possível evolução do uso de e-readers e e-books no Brasil deve levar em consideração a adoção desse meio pelas escolas, em diferentes níveis do ensino.
Infelizmente as estatísticas a respeito são precaríssimas, quando não simplesmente inexistentes. Mas existem sintomas pipocando:
As editoras estão adotando cada vez mais versões eletrônicas da venda de capítulos de livros, que substituem as mal afamadas “pastas do professor”, copiadas sem controle, principalmente nas universidades. Os contratos são feitos na maioria com as próprias universidades, que montam com as editoras o que na verdade são e-books (lidos em desktops e laptops), de acordo com as demandas de texto dos professores;
Várias universidades já anunciam a adoção de tablets para seus alunos acompanharem o material didático.
O peso das compras governamentais de livros didáticos é um fator muito importante para a definição do futuro (ou da rapidez com que esse futuro chega) do uso de e-readers e tablets no sistema educacional do país.
O programa de entregar um laptop de cem dólares para cada estudante do ensino fundamental, originalmente proposto por Nicholas Negroponte, esbarrou em vários problemas tecnológicos e de custo. O protótipo desenvolvido pelo projeto, usando software livre e gratuito, acabou ultrapassado. Fabricantes chineses já estão produzindo tablets a menos de US$ 100 a unidade, com sistema operacional livre – o que basicamente quer dizer não da Microsoft ou da Apple – com funcionalidades muito mais abrangentes que o projeto inicial do laptop de cem dólares, inclusive com o acesso via telefonia 3G e wireless.
Segundo informações que me foram repassadas pela Assessoria de Imprensa do FNDE, o órgão do MEC que adquire os livros para os programas federais, o custo de logística – embalagem e transporte dos livros adquiridos – varia entre 13% e 18% dos custos totais dos programas de aquisição de livros didáticos (PNLD-Fundamental, PNLD-Ensino Médio, PNBE). Só para o programa do ensino médio (PNLD-Ensino Médio), nos anos 2008 a 2010, esse custo chegaria a aproximadamente 105 milhões de Reais, ou quase 60 milhões de dólares. Acrescente-se a isso o que seria conseguido com a diminuição do custo unitário do livro (livro em papel versus livro eletrônico), mesmo que os editores conseguissem melhores condições de remuneração por unidade do FNDE, e já teríamos recursos suficientes para o desenvolvimento de um programa de grande porte para os alunos do ensino médio, mesmo considerando a necessidade de apropriação de custo de logística para a distribuição dos próprios tablets ou e-readers.
Uma vez entregues os tablets ou e-readers aos alunos, o “recheio” de conteúdo tem seus custos de logística reduzidos a uma insignificância relativa, já que pode ser usada a infraestrutura montada para o programa de banda larga, que usaria recursos provenientes de outras fontes.
Entretanto, ainda haveria muitos pontos a detalhar na execução de um programa desse porte.
Um desses pontos seria precisamente a opção entre e-readers ou tablets. Como usuário do Kindle, da Amazon, com a tecnologia do e-ink, ou tinta eletrônica, sei que a experiência de leitura é fantástica nesse tipo de aparelho. Entretanto eles ainda têm problemas não resolvidos: a pouca funcionalidade do mecanismo de anotações e realce dos textos; a impossibilidade atual (a ser provavelmente resolvida nos próximos dois anos) de usar telas coloridas; a pouca interação entre o leitor e a máquina. Todos esses fatores contribuem vantajosamente, hoje, para a escolha dos tablets, apesar da dificuldade de leitura à luz do sol.
Entretanto, seja tablet ou e-reader, abre-se de forma incontestável a possibilidade de acesso a uma quantidade enorme de textos pelos alunos, seja pelo acesso às bibliotecas de livros com direitos autorais já liberados (como os do portal Domínio Público do MEC), quanto pela diminuição do custo unitário dos livros adquiridos pelo MEC/FNDE. Isso permitiria que fosse entregue aos alunos uma quantidade de livros de literatura e de referência muito maior do que os atualmente proporcionados pelo programa da Biblioteca na Escola.
E seria um passo decisivo na implantação do uso de tablets e e-readers no mercado “não governamental”, gerando volume de demanda e capacidade de produção para as editoras.
Esperemos que frutifique a conversa do ministro Paulo Bernardo com seus colegas. O “xis do problema” da adoção de tablets e e-readers no Brasil passa pela educação.
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Felipe Lindoso é jornalista, tradutor, editor e consultor de políticas públicas para o livro e leitura. Foi sócio da Editora Marco Zero, diretor da Câmara Brasileira do Livro e consultor do CERLALC – Centro Regional para o Livro na América Latina e Caribe, órgão da UNESCO. Publicou, em 2004, O Brasil pode ser um país de leitores? Política para a cultura, política para o livro, pela Summus Editorial.

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