Fonte: O Estado de S. Paulo. Data: 4/01/2013.
O descaso das autoridades em relação
à preservação da história do Brasil pode muito bem ser simbolizado pela
degradação da Biblioteca Nacional. Sua sede de 102 anos, no centro do Rio de
Janeiro, enfrenta toda sorte de problemas há décadas, mas só agora, diante da
perda alarmante de parte da memória nacional, graças a cupins e infiltrações,
receberá alguma verba para fazer os reparos urgentes - serão R$ 70 milhões,
segundo o Ministério da Cultura.
Reportagem da Folha de S. Paulo
resumiu o atual estado da Biblioteca, que a Unesco considera uma das dez
maiores do mundo. Quase todo o edifício padece de má conservação, o que ameaça
a coleção de obras raras, algumas do século 11. O ar-condicionado está com
defeito, o que obriga os funcionários a trabalhar sob uma temperatura muitas
vezes superior a 40 graus, calor que compromete também a manutenção do acervo.
Em razão desse defeito, houve três vazamentos de água somente neste ano - num
dos casos, mais de 2 mil periódicos foram atingidos. Quando chove muito forte,
os livros que ficam no último andar são atingidos. Em laudo de setembro de
2012, o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional chamou a atenção
para a necessidade urgente de um levantamento rigoroso do estado de conservação
das instalações do edifício. Além disso, há um problema estrutural evidente: a
capacidade original de armazenamento do prédio é de 400 mil volumes, mas ele
abriga hoje cerca de 9 milhões de itens. Todos os anos chegam 100 mil obras
novas, entre livros, fotos, jornais, mapas e objetos de valor histórico. O
espaço utilizável da Biblioteca Nacional, sob todos os aspectos, foi superado
há muito tempo.
Os servidores da instituição fizeram
dois protestos em 2012 para denunciar os problemas do edifício e também para
acusar a Fundação Biblioteca Nacional, responsável por sua administração, de
não prestar informações sobre as providências que tomou para resolvê-los. A
Fundação limitou-se a afirmar que "muito tem sido feito" para
modernizar o prédio e que já ordenou a contratação de uma empresa para reparar
as instalações elétricas e o ar-condicionado. Para justificar a demora na
resolução da crise, a Fundação argumentou que as exigências legais acarretam
atrasos, uma desculpa muito comum em várias repartições do governo federal para
disfarçar sua ineficiência.
Como se não fosse suficiente a
degradação da Biblioteca, a Fundação Biblioteca Nacional passou a acumular em
2012 outras funções, como a responsabilidade pelo Plano Nacional do Livro e
Leitura, cujo orçamento é de R$ 373 milhões - mais que o dobro do orçamento da
própria Fundação. A crítica dos especialistas da área é que a Fundação não tem
capacidade para realizar essa tarefa, deixando em segundo plano a Biblioteca
Nacional, cuja zeladoria é sua função precípua. Oficialmente, a Fundação diz
que todos os projetos que administra já foram ao menos iniciados e que os
problemas da sede da Biblioteca não estão relacionados com o aumento de tarefas
da instituição. No entanto, como não é possível acompanhar a execução dos
projetos, pois o site do Plano Nacional do Livro e Leitura não é atualizado
desde 2011, resta somente a constatação de que os programas tocados pela
Fundação enfrentam atrasos. Ademais, a própria ministra da Cultura, Marta
Suplicy, observou o óbvio - que a Fundação não é a instituição adequada para
administrar o Plano Nacional do Livro e Leitura - e pretende rever essa
atribuição. São erros desse tipo que denunciam a desorientação burocrática do
atual governo, cada vez mais inchado para atender a interesses políticos.
No caso da Biblioteca Nacional,
porém, trata-se de mais um entre tantos erros administrativos cujas
consequências, de tão maléficas, são difíceis de medir. Por essa razão, o
processo de degradação dessa instituição, responsável pela guarda de um acervo
tão importante de documentos e que simboliza como poucas a pretensão do Brasil
de ocupar um lugar no mundo civilizado, deve ser imediatamente interrompido.
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