Autoria:
Clarissa Neher.
Fonte: O Povo (Fortaleza, CE). Data:
29/11/2016.
Durante o Terceiro
Reich, nazistas confiscaram obras de arte e também livros de judeus. Muitos
deles foram parar nas estantes de bibliotecas alemães. Pesquisadores vasculham
acervos para devolvê-los aos legítimos donos. Em meio aos cerca de 8,5 milhões
de livros do acervo das bibliotecas da Universidade Livre de Berlim, Ringo
Narewski e sua equipe têm uma nobre missão: encontrar livros que foram
confiscados de judeus por autoridades nazistas durante o Terceiro Reich
(1933-1945). O objetivo dos pesquisadores é devolvê-los aos legítimos donos.
O caminho até
devolução, porém, é longo e exige um minucioso trabalho de investigação. O
ponto de partida é a identificação de todos os livros impressos antes de 1945.
A universidade estima que cerca de 1,5 milhão de livros se encaixem nesta
categoria.
“A maior dificuldade
neste trabalho é o volume de livros para serem avaliados sem termos qualquer
estimativa sobre o resultado final. Além disso, se há a suspeita sobre
determinada obra, é preciso muito tempo para desvendar 70 anos de história de
uma pessoa”, afirma Narewski, diretor do grupo de trabalho responsável por
identificar obras saqueadas por nazistas que fazem parte do acervo de
bibliotecas da universidade.
Nesse trabalho de
detetive, a Universidade Livre de Berlim ganhou reforço extra há um ano. Além
dela, três instituições – a Fundação Nova Sinagoga, a Universidade de Potsdam e
a Biblioteca Estadual de Berlim – reuniram as informações sobre pesquisas
realizadas nesta área num banco de dados online, o “Looted Cultural Assets”
(bens culturais roubados).
Pegadas no Brasil
Nos últimos anos, a
instituição verificou cerca de 44 mil livros. Atualmente, eles investigam a
origem de 2 mil assinaturas em livros. E uma dessas histórias tem passagem pelo
Brasil.
Um dos livros
roubados encontrados no acervo pertenceu ao jornalista Ernst Feder, que fugiu
de Berlim para Paris em 1933. Com a marcha nazista em direção à França, Feder
emigrou para o Brasil em 1941, onde viveu, em Petrópolis, até 1957, quando
retornou para Berlim.
Sua biblioteca, com
quase 10 mil títulos, foi saqueada pelo regime nazista, e um destes exemplares
foi parar na Universidade Livre de Berlim. No momento, os pesquisadores tentam
entrar em contato com os herdeiros do jornalista para devolver a obra.
Saques durante o
Terceiro Reich
De acordo com o
historiador Götz Aly, a prática do confisco foi instrumentalizada pelos
nazistas para garantir a lealdade da população alemã ao regime. Segundo ele, o
roubo e redistribuição de bens e economias dos judeus, na Alemanha e,
posteriormente, em países ocupados, favoreciam economicamente o povo alemão.
As coleções roubadas
foram distribuídas entres bibliotecas públicas, centros culturais nazistas e
funcionários do regime. Depois da Segunda Guerra Mundial, muitas destas peças
foram vendidas a antiquários ou doadas para instituições.
Desta maneira,
livros saqueados foram parar também em estantes de bibliotecas criadas depois
de 1945, como é o caso das da Universidade Livre de Berlim, fundada em 1948.
Segundo Narewski, além das doações privadas, as bibliotecas da instituição
receberam livros confiscados de funcionários do regime nazista pelo exército
americano no fim da guerra.
Longa investigação
O atual projeto da
equipe de Narewski se concentra na análise de cerca de 70 mil livros que foram
adquiridos pela universidade entre 1952 e 1968. Com os títulos suspeitos em
mãos, a próxima fase é buscar nos livros pistas sobre suas origens, que podem
ser um carimbo, um nome escrito a caneta, um ex libris (selo personalizado que
identifica as obras de bibliotecas particulares ou públicas) ou algum número de
referência. Descoberta alguma identificação, começa o trabalho para decifrar a
história e o percurso percorrido por esse livro até chegar às estantes da
biblioteca.
A investigação mais
longa da universidade já dura três anos e é referente a um livro que pertenceu
à família Frohmann-Holländer, de Frankfurt, que, perseguida durante o regime
nazista, fugiu para os Estados Unidos.
“Não sabemos o que
aconteceu com essa biblioteca durante três anos na década de 1930, antes da
emigração da família. Como há a possibilidade de que alguns destes livros
tenham sido vendidos na época, não podemos afirmar com certeza se a obra foi
confiscada, por isso, ainda não podemos devolvê-la, e a pesquisa continua”,
explica Narewski.
Após reconstruir a
história dos livros, o grupo precisa desvendar a história dos proprietários
legítimos dos títulos e de suas famílias para poder restituí-los. E aqui há
outra dificuldade, entrar em contato com estas pessoas. Muitas vezes,
pesquisadores sabem quem são os herdeiros, mas não conseguem ter acesso a eles,
e, em alguns casos, e-mails ou cartas enviadas são ignorados pelos
destinatários.
Trabalho que
compensa
Nos últimos dois anos,
a Universidade Livre de Berlim devolveu 160 livros que foram saqueados pelos
nazistas aos seus legítimos donos. As devoluções a 75 herdeiros e instituições
ocorreram na Alemanha, Áustria, Polônia, Letônia, Holanda, Estados Unidos,
Israel, República Checa, Reino Unidos e Ucrânia.
“Essa restituição
tem uma dimensão moral. Não é uma tentativa de reparação, pois é impossível
reparar os crimes cometidos pelos nazistas, mas se trata de devolver às vítimas
um pedaço da sua história”, diz Narewski.
O pesquisador
destaca que, além de ser uma revisão da história da universidade, esse trabalho
preserva a memória daquele período, para evitar que crimes como os cometidos
pelo regime nazista voltem a acontecer.
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