Autoria: Bruno Filipe Pires.
Fonte: Barlavento
(Portugal). Data:
URL:
http://barlavento.pt/destaque/historiador-de-lagos-quer-fazer-expedicao-a-oxford-em-busca-dos-livros-roubados-ao-bispo
O
historiador José António Martins quer acabar com uma dúvida de 400 anos. Em
2016 pretende fazer uma expedição à Bodleian Library, em Oxford. O objetivo é
autenticar o espólio de livros roubados pelo conde de Essex ao bispo do Algarve,
durante o ataque e saque à cidade de Faro, em julho de 1596. Em que estado
estão hoje? Quantos são na realidade? Quem os terá lido?
A ideia não surge do
nada. Há vários anos que José António Martins se dedica a estudar a vida e a
obra de D. Fernando Martins Mascarenhas, «um homem extraordinário, cuja
personalidade, conhecimento jurídico, importância política e cultural, muito
marcaram esta região. Fundou várias igrejas, colégios e conventos, e a própria
organização da diocese do Algarve, como a conhecemos hoje, tem os seus
fundamentos na estrutura que desenhou no século XVI».
Numa altura em que não
existiam em Portugal muitas bibliotecas, ou «livrarias», o bispo do Algarve
teve o infortúnio de ver a sua coleção particular saqueada. «Estamos a falar em
obras que moldaram o pensamento europeu nos séculos XVI e XVII».
Para José Martins é
importante conhecer finalmente a totalidade do espólio e estado em que se
encontra. Apenas se conhece um inventário, dos anos 1920, curiosamente, trazido
nos anos 1980, pela viúva do professor José António Pinheiro e Rosa, homem da
cultura de Faro, que teve o cuidado de o copiar durante um curso de inglês que
frequentou em Oxford.
«Da doação feita pelo
conde de Essex à Bodleian Library de Oxford, numa totalidade de 176 títulos
(215 volumes), mais de 60 pertenciam a D. Fernando Martins Mascarenhas,
conforme se depreende pelo seu escudo de armas dourado colocado nas
encadernações. Destes, mais de 40 são títulos teológicos e de conteúdo
religioso e quase 20 de teor jurídico», explica José António Martins.
A este número, há ainda
um outro, manuscrito sobre a «Vida do glorioso São João Batista», por António
Pereira, «que tem uma dedicatória do autor» ao bispo. Tem a particularidade de
ser o primeiro «exemplar manuscrito a entrar nesta biblioteca, quando abriu as
portas a 8 de novembro de 1602», destaca. «Seria importante termos em Portugal
uma cópia em suporte digital», opina.
Por outro lado, «será
que esses livros estão ainda na Bodleian Library? Ou estarão em alguma
biblioteca europeia ou internacional, a título de empréstimo para estudos ou
exposições internacionais?», questiona. Terão outros ido parar a mais
bibliotecas?
E quem as terá estudado
ao longo destes séculos? «Será que o próprio bispo, nos seus serões à luz das
velas, não terá anotado os seus livros? Já viu o que é descobrir essas notas
hoje?» e relacioná-las com a vida e obra daquele que foi também reitor da
Universidade de Coimbra.
Para este historiador, a
viagem de estudo a Oxford é «um trabalho inédito e particularmente oportuno
para melhor se entender a história da cultura portuguesa e europeia do período
de Quinhentos». Há cerca de um ano, José António Martins apresentou a sua
expedição à Direção Regional de Cultura do Algarve, que a remeteu para Lisboa.
«Ainda aguardo uma resposta», diz.
Contactadas as câmaras
dos municípios onde o bispo teve uma grande influência, assim como um papel
importante no desenvolvimento socioeconómico do Algarve do século XVI
(salvaguardando, como tudo indica, interesses económicos de cristãos-novos do
Algarve), apenas a autarquia de Loulé respondeu, disponibilizando uma verba de
500 euros.
José Martins não esconde
que é mais difícil empreender um projeto deste tipo a título pessoal. «Seria
mais fácil se estivesse enquadrado no âmbito de uma associação». O historiador
está disponível para colaborar com algum coletivo interessado em abraçar a
iniciativa. Seja como for, promete não desistir.
«Já fiz contatos
preliminares com a Biblioteca de Oxford e com os responsáveis do fundo
documental, onde os livros se encontram depositados», pelo que o primeiro passo
já está dado.
Um projeto
aberto à comunidade
«Como historiador com
experiência em investigações em projetos de variada índole, tanto em arquivos e
bibliotecas nacionais e internacionais, julgo reunir as condições para levar a
bom porto este projeto. Contudo, sem apoios, nada poderá ser feito», diz José
António Martins, que não consegue pagar do seu bolso todas as despesas
inerentes à expedição a Oxford. Numa primeira fase, o historiador estima que
seriam necessários três mil euros. O suficiente para pagar as viagens, estadia
e, sobretudo, o pedido de cópias dos frontispícios das obras com (e sem) as
armas do bispo do Algarve. Este primeiro reconhecimento abriria caminho para
uma segunda expedição, mais profunda, orçada em dez mil euros, a investir
sobretudo em digitalizações de obras. «Torna-se, pois importante que
autarquias, empresas e cidadãos, em geral possam colaborar neste projeto,
através de donativos e apoios». O historiador sublinha que este crowfunding
informal será transparente. «Será passado o respetivo comprovativo (recibo),
assim como nas páginas deste jornal será publicado um relatório sobre o
trabalho desenvolvido e os nomes» dos que ajudaram a realizá-lo. Quem quiser
apoiar a causa, poderá fazer um depósito ou transferência para o NIB 0036 0179
9910 0056 1936 7.
Faro a ferro
e fogo
O saque à cidade de
Faro, em 1596, foi um dos acontecimentos mais significativos durante os 22 anos
que D. Fernando Martins Mascarenhas foi bispo do Algarve (1596/1611). Reza a
história que a frota inglesa tinha sido avistada ao largo do Cabo de São
Vicente, em finais do mês de junho. Depois do ataque a Cádis, terminado a 16 de
julho, julgava-se que o Algarve seria o alvo seguinte do conde de Essex e dos
seus corsários. Aliás, o bispo saiu de Faro, à frente de um destacamento
militar, a fim de reforçar a defesa de Lagos – onde se esperava que os ingleses
atacassem – deixando Faro desprotegida. Assim, a 23 de julho de 1596, perante a
falta de resistência com que se depararam, os ingleses decidiram atacar a
cidade na manhã do dia seguinte. Chegaram a entrar em São Brás de Alportel.
Entre 25 e 27 de julho «os ingleses tiveram tempo para tudo. Saquearam o que
entenderam e, no fim, deitaram fogo» a Faro. «Até os sinos e o relógio da torre
sineira da Sé foram roubados». No final, só ficaram de pé as igrejas de São
Pedro e da Misericórdia. O bispo D. Fernando Martins Mascarenhas ficou sem a
sua biblioteca, ou segundo se dizia na época uma «livraria».
Os livros do
Bispo devem regressar a Portugal?
Tratando-se de uma
biblioteca particular (não pertencendo, na altura, a uma instituição oficial
estatal), será que não é legítimo colocar a questão sobre qual o local, onde o
conjunto de livros a virem para Portugal, deveriam ser guardados? Fará sentido
que os livros roubados durante o saque dos finais do século XVI regressem a
Faro? «Porque não, Montemor-o-Novo, terra natal de D. Fernando Martins
Mascarenhas ou mesmo a Biblioteca da Universidade de Coimbra, de que foi um dos
reitores mais proeminentes, sendo da sua autoria a reforma dos Estatutos dessa
Universidade?», contra-interroga José António Martins, para quem isso é uma
questão secundária. «E, porque não a Biblioteca Nacional de Lisboa, se
efetivamente se se tratam de obras ímpares para a História da Cultura
Portuguesa»? A Bodleian Library é «uma das melhores do mundo, suportada
financeiramente, em boa parte, se não no todo, por mecenas (ao estilo
americano) e dificilmente, os livros, sairiam do seu arquivo para outra parte
do mundo», conclui.
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