Autoria: André Miranda.
Fonte: O Globo. Data:
28/02/2014.
URL: http://oglobo.globo.com/cultura/bandido-invade-biblioteca-nacional-na-madrugada-circula-livremente-rouba-computador-monitor-11739402
Há quase uma semana, a sede da Biblioteca Nacional, no Centro do Rio,
foi invadida e roubada. Lá estão guardados mais de oito milhões e meio de
peças, um patrimônio público que forma a maior coleção bibliográfica da América
Latina. Porém, apesar do valor incalculável desse acervo, na madrugada do
último sábado um homem conseguiu pular os tapumes e a grade de proteção que
cercam a biblioteca, ao lado da Rua Pedro Lessa. Depois, arrombou a janela de
um banheiro feminino que fica no segundo andar e entrou no prédio. Lá dentro,
pôde circular livremente para roubar um laptop e um monitor, antes de sair pelo
mesmo lugar por onde entrou. A direção da Biblioteca Nacional preferiu não
trazer o incidente a público, mas, procurada pelo GLOBO, confirmou que o crime
ocorreu e disse que já reforçou a segurança.
As imagens do roubo foram registadas pelas câmeras da biblioteca, mas os
vigias noturnos disseram que não perceberam a movimentação. O laptop roubado
era de um brigadista e estava guardado numa sala no primeiro andar. Já o
monitor ficava no balcão de atendimento para visitas guiadas, no andar de cima.
No próprio sábado, o crime foi informado à polícia. E as gravações, passadas
para a Superintendência Regional da Polícia Federal do Rio de Janeiro, onde foi
lavrada a certidão de ocorrência número 383.
Pelas imagens das câmeras de segurança, o ladrão, ainda não
identificado, aparenta ser jovem. Há meses, os funcionários da instituição
reclamam que a Rua Pedro Lessa tem servido como concentração para usuários de
crack, e dentro da instituição suspeita-se que o bandido teria vindo desse
grupo. Mas, independentemente de quem tenha cometido o crime, o que mais chama
a atenção é a facilidade com que uma pessoa conseguiu entrar no prédio sem ser
notada.
Informada do crime pelo GLOBO, a Associação de Servidores da Biblioteca
Nacional (ASBN) divulgou nota em que lembra os problemas estruturais do
edifício: “A invasão do prédio sede, que abriga um dos maiores e mais preciosos
acervos bibliográficos do mundo, vem confirmar a vulnerabilidade do sistema de
segurança da Biblioteca Nacional. A ASBN espera que todas as medidas
administrativas e judiciais cabíveis sejam tomadas em relação ao crime ocorrido
dentro da biblioteca. Entretanto, é preciso ir além, atuando preventivamente
para que casos como esse ou ainda mais graves, como o furto de peças do acervo,
não ocorram.”
Para piorar, a invasão ocorreu num momento em que a Biblioteca Nacional
vem tentando se recuperar depois de anos marcados por acidentes e furtos devido
à precaridade de sua estrutura. Uma verba de R$ 30 milhões, prometida pela
ministra da Cultura, Marta Suplicy em 2012 para obras na claraboia, no telhado,
na fachada e nos vitrais, enfim começou a ser aplicada neste ano, e a
revitalização já está em curso.
Além disso, já nas próximas semanas deve ser publicado um edital para a
contratação de um projeto arquitetônico a fim de recuperar o prédio anexo da
Biblioteca Nacional, localizado na Zona Portuária. O edifício sofre com
infiltrações e deterioração da fachada. Nos últimos dias, o presidente da
Biblioteca Nacional, Renato Lessa, viajou a Portugal para viabilizar a criação
de uma biblioteca lusófona, integrando os acervos digitais de instituições
públicas dos países de língua portuguesa.
São ações que visam melhorar a imagem da Biblioteca Nacional, arranhada
por furtos, inundações, danos ao acervo e críticas a gestões. Na última década,
o órgão teve quatro presidentes: Pedro Corrêa do Lago (2003 a 2005), Muniz
Sodré (2005 a 2010), Galeno Amorim (2011 a 2013) e Lessa, que completa um ano
no cargo em abril.
O episódio da semana passada fez com que a biblioteca cogitasse
rescindir o contrato com a empresa de segurança que trabalha para a
instituição, mas a solução acabou sendo o reforço no efetivo. De acordo com a
direção da biblioteca, nos dias de carnaval, quando muitos foliões circulam
pela região, haverá o dobro de vigilantes. Também será pedido à polícia um
reforço no policiamento do entorno.
Relembre problemas recentes na Biblioteca Nacional:
Julho de 2005 - Fotografias, desenhos e gravuras, num total de 991
obras, desapareceram do acervo. No conjunto havia originais dos fotógrafos Marc
Ferrez, Augusto Malta e Guilherme Liebenau (acima). Apenas 101 obras foram
recuperadas e, apesar da prisão de cinco suspeitos em 2007, o crime nunca foi
completamente esclarecido. A Justiça estimou que, no total, as peças valiam
cerca de R$ 7,5 milhões.
Maio de 2010 - As duas primeiras edições do almanaque “O Tico-Tico”
foram furtadas da biblioteca. O crime ocorreu meses após a instituição ter recebido
R$ 1,7 milhão de investimentos em segurança. E só veio a público um ano depois,
em reportagem do GLOBO. As revistas nunca apareceram, mas a polícia prendeu,
ainda em 2010, o estudante Leonardo Jorge da Silva: ele estava de posse da tela
“Enterro”, de Candido Portinari, furtada do Museu de Arte Contemporânea de
Pernambuco, e sua agenda tinha anotações sobre as duas “O Tico-Tico”.
Maio de 2012 - Um temporal provocou um vazamento no sistema de
refrigeração, atingindo quatro dos seis andares do armazém de periódicos.
Centenas de obras foram molhadas. A direção da biblioteca só admitiu a
gravidade do problema depois que O GLOBO publicou imagens de periódicos
pendurados em varais, nos corredores do prédio, para secagem. O acidente fez
com que o ar-condicionado só voltasse a funcionar plenamente em setembro de
2013.
Outubro de 2012 - Cinco pedaços de reboco se soltaram da fachada e
caíram na área dos jardins e na varanda do terceiro andar. O incidente levou a
instituição a isolar áreas no entorno e motivou um laudo da Defesa Civil com
recomendações de segurança, como a construção de para-lixo e instalação de
telas na fachada.
Fevereiro de 2014 - Um ladrão entrou pelo banheiro feminino do segundo
andar da Biblioteca, na madrugada do último sábado. Ele circulou livremente
pelo primeiro e pelo segundo andares da instituição, antes de sair por onde
veio. Levou consigo um laptop e um monitor. A Polícia Federal investiga o
crime.